Análise do genoma revela extensa sobreposição genética entre esquizofrenia, transtorno bipolar e inteligência

Genoma revela sobreposição entre Esquizofrenia e Transtorno Bipolar

Por Dr. Petrus Raulino

Um estudo publicado na revista Molecular Psychiatry analisou dados de estudo de associação genômica ampla entre Esquizofrenia, Transtorno Bipolar e inteligência geral para investigar sobreposição de variantes genéticas comuns.

Esquizofrenia e Transtorno Bipolar

A Esquizofrenia e o Transtorno Bipolar são transtornos mentais mundialmente reconhecidos entre as principais causas de morbidade e mortalidade no mundo.

Embora sejam diferentes, podem eventualmente compartilhar algumas características clínicas, incluindo alterações do humor, pensamento, percepção e funcionamento social.

As manifestações clínicas desses transtornos podem ser acompanhadas por comprometimento cognitivo, embora este tenda a ser mais grave na Esquizofrenia do que no Transtorno Bipolar.

Dentre os domínios cognitivos estão funções executivas, aprendizagem verbal, velocidade de processamento e memória, bem como inteligência geral.

Evidências crescentes indicam que o risco genético para Esquizofrenia pode contribuir para o comprometimento cognitivo.

Por sua vez, a relação genética entre Transtorno Bipolar e função cognitiva ainda permanece pouco compreendida.

No estudo em questão ficou demonstrado uma sobreposição poligênica entre inteligência, Esquizofrenia e Transtorno Bipolar.

Um locus é o local fixo em um cromossomo onde está localizado determinado gene ou marcador genético.

No estudo, foram identificados 75 loci gênicos associados em conjunto com Esquizofrenia e inteligência e 12 loci gênicos associados em conjunto com Transtorno Bipolar e inteligência.

Entre os loci compartilhados, 20 foram novos loci de risco para Esquizofrenia e 4 foram novos para Transtorno Bipolar.

Ao todo, o estudo indicou que grandes frações das arquiteturas de risco genético subjacentes a Esquizofrenia, mutações genéticas e Transtorno Bipolar também influenciam a inteligência, embora de maneira diferente.

Os resultados sugeriram que a relação genética entre os três (Esquizofrenia, Transtorno Bipolar e inteligência) é mais complexa do que é expresso por suas correlações genéticas, o que pode explicar a diversidade de desempenho cognitivo entre os diferentes grupos de pacientes.

A pesquisa forneceu novos insights sobre as bases genéticas e moleculares do desempenho cognitivo alterado nesses grupos de pacientes.

 

Referências

Smeland, O. B., Bahrami, S., Frei, O., Shadrin, A., O’Connell, K., Savage, J., ... & Andreassen, O. A. (2020). Genome-wide analysis reveals extensive genetic overlap between schizophrenia, bipolar disorder, and intelligence. Molecular psychiatry, 25(4), 844-853.

Consortium, I. S. (2009). Common polygenic variation contributes to risk of schizophrenia that overlaps with bipolar disorder. Nature, 460(7256), 748.

Kahn, R. S., & Keefe, R. S. (2013). Schizophrenia is a cognitive illness: time for a change in focus. JAMA psychiatry, 70(10), 1107-1112.

Keshavan, M. S., Morris, D. W., Sweeney, J. A., Pearlson, G., Thaker, G., Seidman, L. J., ... & Tamminga, C. (2011). A dimensional approach to the psychosis spectrum between bipolar disorder and schizophrenia: the Schizo-Bipolar Scale. Schizophrenia research, 133(1-3), 250-254.

Simonsen, C., Sundet, K., Vaskinn, A., Birkenaes, A. B., Engh, J. A., Færden, A., ... & Andreassen, O. A. (2011). Neurocognitive dysfunction in bipolar and schizophrenia spectrum disorders depends on history of psychosis rather than diagnostic group. Schizophrenia bulletin, 37(1), 73-83.

Keefe, R. S., & Fenton, W. S. (2007). How should DSM-V criteria for schizophrenia include cognitive impairment?. Schizophrenia bulletin, 33(4), 912-920.

Green, M. F. (2006). Cognitive impairment and functional outcome in schizophrenia and bipolar disorder. Journal of Clinical Psychiatry, 67, 3.


Desfechos psiquiátricos e neurológicos em 236.379 sobreviventes de COVID-19

Desfechos psiquiátricos e neurológicos em 236.379 sobreviventes de COVID-19

Por Dr. Petrus Raulino

Desde o início da pandemia de COVID-19 é crescente a preocupação de que os sobreviventes possam ter maior risco de doenças neurológicas e psiquiátricas.

Um estudo observacional com 62.354 sobreviventes de COVID-19 demonstrou aumento do risco de transtornos de humor e ansiedade nos primeiros três meses após a infecção. Inclusive entre pacientes sem qualquer histórico psiquiátrico. 

Com o passar do tempo, novas pesquisas têm contribuído para que a ciência avance ainda mais no entendimento da evolução da COVID-19. 

Surgem pesquisas publicadas com dados em larga escala examinando os riscos de diagnósticos neurológicos e psiquiátricos após seis meses da infecção por COVID-19.

Novo estudo sobre condição psiquiátrica após COVID-19

Um estudo realizado recentemente na Universidade de Oxford e publicado no periódico The Lancet Psychiatry evidenciou que uma em cada três pessoas que sobreviveram à COVID-19 é diagnosticada com uma condição neurológica ou psiquiátrica seis meses após ser infectada.

Para chegar à essa conclusão, o estudo analisou os registros de saúde de mais de 230.000 pessoas com COVID-19 confirmada em 62 organizações de cuidados à saúde, principalmente dos EUA.

Resultados do estudo

No geral, a incidência estimada de diagnóstico de um transtorno neurológico ou psiquiátrico após a infecção por COVID-19 foi de 34%. Para 13% dessas pessoas, foi o primeiro diagnóstico neurológico ou psiquiátrico registrado.

Os diagnósticos mais comuns após COVID-19 foram transtornos de ansiedade (ocorrendo em 17% dos pacientes), transtornos do humor (14%), transtornos por uso de substâncias (7%) e insônia (5%). 

A incidência de desfechos neurológicos foi menor, incluindo 0,6% para hemorragia cerebral, 2,1% para acidente vascular cerebral isquêmico e 0,7% para demência.

Vale ressaltar que essas incidências foram ainda maiores em pacientes que necessitaram de hospitalização e marcantemente maiores naqueles que necessitaram de internação em UTI ou desenvolveram encefalopatia.

Muitas pessoas se perguntam como uma doença respiratória pode causar efeitos psiquiátricos ou neurológicos, e para essa pergunta ainda não está clara a resposta sobre o mecanismo fisiopatológico exato.

Entretanto, há várias hipóteses para os mecanismos potenciais que provocam a associação entre COVID-19 e transtornos psiquiátricos e/ou dano neurológico. Incluem invasão viral do sistema nervoso central, estados hipercoaguláveis e efeitos neurais da resposta imune. 

Conclusão

Infelizmente, muitos dos transtornos psiquiátricos identificados pelas pesquisas sobre COVID-19 tendem a ser crônicos ou recorrentes. Portanto, podemos antecipadamente presumir que o ônus da COVID-19 poderá estar conosco por muitos anos. 

Por outro lado, as pesquisas continuam e também poderão nos trazer informações valiosas de como lidar ou sobrepujar o ônus decorrente da COVID-19.

 

Referências

Lee, M. H., Perl, D. P., Nair, G., Li, W., Maric, D., Murray, H., ... & Nath, A. (2021). Microvascular injury in the brains of patients with Covid-19. New England Journal of Medicine384(5), 481-483.

Taquet, M., Luciano, S., Geddes, J. R., & Harrison, P. J. (2021). Bidirectional associations between COVID-19 and psychiatric disorder: retrospective cohort studies of 62 354 COVID-19 cases in the USA. The Lancet Psychiatry8(2), 130-140.

Taquet, M., Geddes, J. R., Husain, M., & Harrison, P. J. (2021). Six-Month neurological and psychiatric outcomes in 236,379 survivors of COVID-19. The Lancet Psychiatry, April 6, published on-line.

Kreye, J., Reincke, S. M., & Prüss, H. (2020). Do cross-reactive antibodies cause neuropathology in COVID-19?. Nature Reviews Immunology20(11), 645-646.

Meinhardt, J., Radke, J., Dittmayer, C., Franz, J., Thomas, C., Mothes, R., ... & Heppner, F. L. (2021). Olfactory transmucosal SARS-CoV-2 invasion as a port of central nervous system entry in individuals with COVID-19. Nature neuroscience24(2), 168-175.

Rhea, E. M., Logsdon, A. F., Hansen, K. M., Williams, L. M., Reed, M. J., Baumann, K. K., ... & Erickson, M. A. (2021). The S1 protein of SARS-CoV-2 crosses the blood–brain barrier in mice. Nature neuroscience24(3), 368-378.

Panigada, M., Bottino, N., Tagliabue, P., Grasselli, G., Novembrino, C., Chantarangkul, V., ... & Tripodi, A. (2020). Hypercoagulability of COVID?19 patients in intensive care unit: a report of thromboelastography findings and other parameters of hemostasis. Journal of Thrombosis and Haemostasis18(7), 1738-1742.


Transtorno Bipolar e Neuroinflamação

Transtorno Bipolar e Neuroinflamação

Por Dr. Petrus Raulino

O que é o Transtorno Bipolar?

O Transtorno Bipolar é um subtipo de transtorno de humor. Afeta cerca de 2% da população mundial.

O Transtorno Bipolar é uma condição psiquiátrica caracterizada por no mínimo dois episódios de humor (depressão ou mania) ao longo da vida, sendo que pelo menos um deles deve ser de mania.

Estudos com gêmeos demonstraram que a carga genética do Transtorno Bipolar é da ordem de 70 a 80%.

Existem fortes evidências de que o risco para Transtorno Bipolar é poligênico, ou seja, ocorre por meio de um conjunto de alelos, cada qual apresentando um pequeno efeito para o risco.

Estudos genéticos têm demonstrado expressão aberrante de RNA mensageiro de genes inflamatórios em pacientes com Transtorno Bipolar e seus descendentes.

O papel da Neuroinflamação

Nos últimos anos, as pesquisas científicas têm aumentado substancialmente a compreensão do papel da neuroinflamação em transtornos psiquiátricos.

Uma pesquisa in vitro publicada na revista Stem Cell Reports buscou entender se a sinalização molecular alterada de astrócitos induzida por inflamação estava associada ao Transtorno Bipolar.

Os astrócitos são células conhecidas por participarem da cascata inflamatória dentro do cérebro. Eles são ativados por interleucina-1? (IL-1?) e outras citocinas pró-inflamatórias e, por sua vez, secretam citocinas que participam do processo de neuroinflamação.

A pesquisa comparou marcadores de inflamação em astrócitos derivados de células-tronco pluripotentes (iPSCs) gerados a partir de pacientes com Transtorno Bipolar e de indivíduos saudáveis.

Resultados da pesquisa

A resposta dos astrócitos dos pacientes com Transtorno Bipolar às citocinas pró-inflamatórias revelou um padrão particular, caracterizado pela maior expressão do gene da interleucina-6 (IL-6). Como resultado, essas células secretaram mais IL-6, o que impactou negativamente a atividade de neurônios.

Os fatores secretados pelos astrócitos desempenham um papel na regulação da atividade neuronal e, no caso do Transtorno Bipolar, a IL-6 faz a mediação pelo menos em parte entre os efeitos dos astrócitos estimulados pela inflamação e a atividade neuronal.

Estas descobertas sugerem que a IL-6 pode contribuir para alterações do funcionamento neuronal associados ao Transtorno Bipolar, abrindo novos caminhos para a pesquisa clínica.

 

Referências

Vadodaria, K. C., Mendes, A. P., Mei, A., Racha, V., Erikson, G., Shokhirev, M. N., ... & Gage, F. H. (2021). Altered neuronal support and inflammatory response in bipolar disorder patient-derived astrocytes. Stem Cell Reports.

Gordovez, F. J. A., & McMahon, F. J. (2020). The genetics of bipolar disorder. Molecular psychiatry, 25(3), 544-559.

Benedetti, F., Aggio, V., Pratesi, M. L., Greco, G., & Furlan, R. (2020). Neuroinflammation in bipolar depression. Frontiers in psychiatry, 11, 71.

Colombo, E., & Farina, C. (2016). Astrocytes: key regulators of neuroinflammation. Trends in immunology, 37(9), 608-620.

Craddock, N., & Sklar, P. (2013). Genetics of bipolar disorder. The Lancet, 381(9878), 1654-1662.

Edvardsen, J., Torgersen, S., Røysamb, E., Lygren, S., Skre, I., Onstad, S., & Øien, P. A. (2008). Heritability of bipolar spectrum disorders. Unity or heterogeneity?. Journal of affective disorders, 106(3), 229-240.

McGuffin, P., Rijsdijk, F., Andrew, M., Sham, P., Katz, R., & Cardno, A. (2003). The heritability of bipolar affective disorder and the genetic relationship to unipolar depression. Archives of general psychiatry, 60(5), 497-502.


Combate a Psicofobia

Por que precisamos combater a Psicofobia?

Por Dr. Petrus Raulino

O que é Psicofobia?

Psicofobia é o preconceito ou discriminação contra pessoas com transtornos ou deficiências mentais.

Pode ocorrer em atitudes ou frases de preconceito contra pacientes psiquiátricos, doenças psiquiátricas, instituições em Psiquiatria, profissionais de saúde mental ou medicamentos psicotrópicos.

Infelizmente nos dias atuais esse preconceito parece-nos ainda grande, e o principal motivo para isso é a falta de conhecimento. O não saber traz esse estranhamento e as pessoas tendem a evitar o que não conhecem, muitas vezes com julgamentos falsos.

Como combater a Psicofobia?

O principal antídoto para enfrentar a psicofobia é popularizarmos informações de qualidade sobre transtornos mentais. Dessa forma podemos mudar a realidade da saúde mental em nosso país.

As possibilidades terapêuticas, até pouco tempo atrás, eram limitadas devido às perspectivas farmacológicas escassas e ao parco conhecimento. A família e a sociedade renegavam as pessoas com transtornos mentais.

No entanto esta triste realidade mudou: tratamentos eficazes, com possibilidades terapêuticas abrangentes, melhoraram o prognóstico e qualidade de vida dos pacientes.

Não há saúde sem saúde mental. Diga não ao preconceito.

Link recomendado

www.psicofobia.com.br


Genética de traços neuropsiquiátricos por sexo

Genética de traços neuropsiquiátricos por sexo

Por Dr. Petrus Raulino

Uma pesquisa publicada na revista Biological Psychiatry analisou as diferenças genéticas subjacentes entre os sexos para entender porque o Transtorno Bipolar, a Esquizofrenia e o transtorno depressivo maior afetam homens e mulheres de modo e em graus diferentes.

Foram investigadas as diferenças sexuais na arquitetura genética de vinte traços neuropsiquiátricos e comportamentais usando estatísticas sumárias de análise de associação genômica ampla (GWAS) autossômica estratificada por sexo.

Foram usadas três abordagens complementares – incluindo estimativa de herdabilidade baseada em polimorfismo de nucleotídeo único (SNP), correlação genética e análises de heterogeneidade – para avaliar as diferenças de sexo dentro das características e entre pares de características.

A análise de associação genômica ampla identificou quase uma dúzia de polimorfismos de nucleotídeo único que diferiam entre homens e mulheres com diagnóstico de um dos três transtornos.

Os polimorfismos de nucleotídeo único são uma variação na sequência de DNA que afeta somente uma base nitrogenada – adenina (A), timina (T), citosina (C) ou guanina (G) – na sequência do genoma entre indivíduos de uma espécie ou entre pares de cromossomos de um individuo.

Em alguns casos, um polimorfismo de nucleotídeo único estava ligado apenas à doença em um sexo, enquanto em outros casos o mesmo polimorfismo de nucleotídeo único diminuía a probabilidade de desenvolver um distúrbio em um sexo enquanto a aumentava no outro.

Os genes que abrigam esses polimorfismos de nucleotídeo único foram ligados às vias de desenvolvimento vascular, imunológico e neuronal, fornecendo pistas sobre a interação entre a saúde cardiovascular e neurológica.

Embora a maioria dos efeitos genéticos para traços neuropsiquiátricos e comportamentais sejam semelhantes para homens e mulheres, os efeitos genéticos diferenciados por sexo podem ser identificados.

Nesse estudo foi evidenciado pela primeira vez que uma parte dos efeitos genéticos diferenciados por sexo é distribuída entre traços.

As diferenças entre os sexos na arquitetura genética autossômica comum dos fenótipos neuropsiquiátricos e comportamentais são pequenas e poligênicas. É improvável que expliquem por completo os atributos sexualmente diferenciados que observamos.

Serão necessários estudos adicionais, com amostras maiores, para avançar na identificação dos efeitos diferenciados por sexo para a maioria dos traços.

Mas o referido estudo tem implicações importantes para o futuro da pesquisa em diferenças sexuais.

Compreender a base biológica das diferenças sexuais nas doenças humanas, incluindo os fenótipos neuropsiquiátricos, é fundamental para o desenvolvimento de diagnósticos e terapêuticas baseados no sexo e para cumprir a meta da medicina de precisão.

 

Referências

Martin, J., Khramtsova, E. A., Goleva, S. B., Blokland, G. A., Traglia, M., Walters, R. K., ... & Stahl, E. (2021). Examining sex-differentiated genetic effects across neuropsychiatric and behavioral traits. Biological Psychiatry.

Khramtsova, E. A., Davis, L. K., & Stranger, B. E. (2019). The role of sex in the genomics of human complex traits. Nature Reviews Genetics, 20(3), 173-190.


neurônios

Estresse traumático na infância pode levar a mudanças cerebrais na idade adulta

Por Dr. Petrus Raulino

Um estudo realizado na Universidade de Alberta mostrou que eventos traumáticos ou estressantes na infância podem afetar o volume de estruturas cerebrais. O estudo foi publicado na revista científica Journal of Psychiatry & Neuroscience.

Os eventos traumáticos na infância podem induzir a mudanças biológicas na estrutura cerebral: especialmente em sub-regiões específicas dos hipocampos e amígdalas cerebrais.

Na fase adulta, essas alterações podem tornar-se mal adaptativas, tornando as pessoas mais vulneráveis a transtornos psiquiátricos.

Sabe-se que o estresse pós-traumático é um fator de risco bem conhecido para o desenvolvimento de transtornos mentais, como o Transtorno Depressivo Maior (TDM) na idade adulta.

O hipocampo é fundamental para a formação e arquivamento de memórias emocionais e verbais. A amígdala é corresponsável pela criação de conteúdo emocional de memórias associadas a respostas agressivas e ao medo.

Para o estudo, foram recrutados 35 participantes com diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior e 35 participantes saudáveis para grupo-controle.

Foram realizados exames de ressonância magnética de crânio. O histórico de traumas na infância foi avaliado por meio de escala (Childhood Trauma Questionnaire).

O estudo apresentou evidências in vivo de associações negativas entre história de maus tratos na infância e volumes na amígdala direita, hipocampo anterior e subcampo do corno de Amon total (CA 1-3) bilateralmente.

 

Segmentação do hipocampo e da amígdala. Corno de Amon delineado em vermelho, giro denteado em azul e subículo em verde. Núcleo lateral da amígdala delineado em rosa, núcleo basal em roxo escuro, núcleo basal acessório em roxo claro, grupo cortical em laranja e grupo centromedial em amarelo
FIGURA – Segmentação do hipocampo e da amígdala. Corno de Amon delineado em vermelho, giro denteado em azul e subículo em verde. Núcleo lateral da amígdala delineado em rosa, núcleo basal em roxo escuro, núcleo basal acessório em roxo claro, grupo cortical em laranja e grupo centromedial em amarelo. Fonte: Aghamohammadi-Sereshki e col., 2021.

Maior escore de história de maus tratos na infância foi associado a menor volume de estruturas do lobo temporal medial em participantes com Transtorno Depressivo Maior.

Os achados da pesquisa podem representar mais um passo na direção para identificar os mecanismos biológicos potenciais pelos quais os maus tratos na infância levam a impactos clínicos na vida adulta.

 

Referências

Aghamohammadi-Sereshki, A., Coupland, N. J., Silverstone, P. H., Huang, Y., Hegadoren, K. M., Carter, R., ... & Malykhin, N. V. (2021). Effects of childhood adversity on the volumes of the amygdala subnuclei and hippocampal subfields in individuals with major depressive disorder. Journal of Psychiatry & Neuroscience: JPN, 46(1), E186.

Schmaal, L., Veltman, D. J., van Erp, T. G., Sämann, P. G., Frodl, T., Jahanshad, N., ... & Hibar, D. P. (2016). Subcortical brain alterations in major depressive disorder: findings from the ENIGMA Major Depressive Disorder working group. Molecular psychiatry, 21(6), 806-812.

Lindert, J., von Ehrenstein, O. S., Grashow, R., Gal, G., Braehler, E., & Weisskopf, M. G. (2014). Sexual and physical abuse in childhood is associated with depression and anxiety over the life course: systematic review and meta-analysis. International journal of public health, 59(2), 359-372.


Depressão pós-parto pode persistir três anos após o parto

Depressão pós-parto pode persistir três anos após o parto

Por Dr. Petrus Raulino

O que é Depressão Materna?

A depressão materna é o transtorno mental de maior prevalência durante a gestação e o puerpério.

A depressão materna contribui para prejuízos na interação com o bebê e aumenta o risco dos bebês para distúrbios cognitivos, emocionais e comportamentais.

A depressão após o parto

Um estudo publicado na revista Pediatrics conduzido por pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano (NICHD) demonstrou que 1 a cada 4 mulheres experimentou altos níveis de sintomas depressivos em algum momento nos três anos após o parto.

Para comparação, a prevalência de depressão ao longo da vida na população geral é de cerca de 20%.

Portanto, a prevalência de 25% de depressão nos três anos seguintes ao parto é elevada e chama a atenção.

Os pesquisadores também identificaram quatro trajetórias de sintomas depressivos pós-parto e os fatores que podem aumentar os riscos de uma mulher desenvolver sintomas graves.

As trajetórias dos sintomas depressivos foram identificadas como:

  1. Baixo-estável, caracterizada por sintomas brandos no período (74,7%);
  2. Baixo-crescente, caracterizado por sintomas inicialmente brandos, mas crescentes no período (8,2%);
  3. Médio-decrescente, caracterizado por sintomas inicialmente moderados, mas remitidos ao longo do tempo (12,6%);
  4. Alto-persistente, caracterizado por sintomas em níveis elevados e persistentes (4,5%).

Perfis mais sujeitos a desenvolver sintomas depressivos no puerpério

Mulheres com história de transtornos de humor no passado ou durante a gestação são sujeitas a desenvolver sintomas depressivos no puerpério.

Gravidez não planejada ou não desejada também são fatores que aumentam o estresse e podem causar o aparecimento dos sintomas.

Fatores físicos, emocionais e de estilo de vida também podem influenciar de alguma forma o surgimento de transtorno depressivo.

Evidências sugerem que muitas mães não procuram tratamento. Muitas mulheres esperam que os sintomas passem sem tratamento.

O tratamento adequado protege a mãe e o bebê contra o ônus da depressão. É importante buscar suporte especializado em saúde mental. O conhecimento qualificado faz diferença.

 

Referências

Putnick, D. L., Sundaram, R., Bell, E. M., Ghassabian, A., Goldstein, R. B., Robinson, S. L., ... & Yeung, E. (2020). Trajectories of maternal postpartum depressive symptoms. Pediatrics, 146(5).

Dennis, C. L., & Chung?Lee, L. (2006). Postpartum depression help?seeking barriers and maternal treatment preferences: A qualitative systematic review. Birth, 33(4), 323-331.


Biomarcador sanguíneo ajuda a predizer demência de Alzheimer antes dos sintomas?

Biomarcador sanguíneo pode ajudar a predizer Demência de Alzheimer anos antes que os sintomas apareçam?

Por Dr. Petrus Raulino

Um estudo publicado na revista Nature Translational Psychiatry evidenciou que idosos com proteína ácida fibrilar glial (GFAP) elevada no sangue apresentam maior acúmulo de proteína beta-amilóide no cérebro, um biomarcador associado a Demência de Alzheimer.

Mas afinal, o que é a GFAP?

A GFAP é uma proteína do citoesqueleto dos astrócitos que serve como um marcador da astrogliose – ativação e proliferação anormal de astrócitos decorrente de dano neuronal.

A proteína GFAP é encontrada no cérebro, mas pode ser medida em amostras de sangue quando o cérebro é danificado pela Demência de Alzheimer A no estágio inicial.

Atualmente, não há cura ou tratamento eficaz para reverter a Demência de Alzheimer, apesar de todos os esforços científicos. Por isso, há muitos estudos recentes buscando se concentrar em programas de prevenção e identificação de populações sob risco para Demência de Alzheimer.

Esses estudos têm reportado níveis elevados de GFAP no sangue em Demência de Alzheimer precoce e tardia. Esses níveis se correlacionam inversamente com a cognição e com a extensão da lesão da substância branca.

GFAP e os sintomas inicias da Dêmencia de Alzheimer

Mas o estudo publicado na Nature Translational Psychiatry investigou se os níveis elevados de GFAP no sangue precedem o início dos sintomas clínicos da Demência de Alzheimer em idosos cognitivamente normais sob maior risco de Demência de Alzheimer.

Resultados do estudo

A pesquisa mostrou que níveis plasmáticos de GFAP aumentados em idosos cognitivamente normais foram associados a maior acúmulo de proteína beta-amilóide no cérebro.

Portanto, o nível de GFAP plasmático aumentado pode servir como um biomarcador sanguíneo inicial para identificar indivíduos cognitivamente normais sob maior risco de Demência de Alzheimer.

Em nosso conhecimento, esse foi o primeiro estudo a demonstrar níveis plasmáticos aumentados de GFAP em idosos cognitivamente normais sob risco de Demência de Alzheimer. Essas observações sugerem que os danos se iniciam no estágio pré-sintomático da Demência de Alzheimer e está associado a acúmulo de beta-amilóide no cérebro.

Mais pesquisas são necessárias para avaliar se a dosagem de GFAP poderá fazer diferença para fundamentar estratégias de prevenção contra a Demência de Alzheimer. Por enquanto, estamos de olho em novas pesquisas.

 

Referências

Chatterjee, P., Pedrini, S., Stoops, E., Goozee, K., Villemagne, V. L., Asih, P. R., ... & Martins, R. N. (2021). Plasma glial fibrillary acidic protein is elevated in cognitively normal older adults at risk of Alzheimer’s disease. Translational psychiatry, 11(1), 1-10.

Elahi, F. M., Casaletto, K. B., La Joie, R., Walters, S. M., Harvey, D., Wolf, A., ... & Kramer, J. H. (2019). Plasma biomarkers of astrocytic and neuronal dysfunction in early-and late-onset Alzheimer's disease. Alzheimer's & Dementia.

Colangelo, A. M., Alberghina, L., & Papa, M. (2014). Astrogliosis as a therapeutic target for neurodegenerative diseases. Neuroscience letters, 565, 59-64.

Carter, S. F., Schöll, M., Almkvist, O., Wall, A., Engler, H., Långström, B., & Nordberg, A. (2012). Evidence for astrocytosis in prodromal Alzheimer disease provided by 11C-deuterium-L-deprenyl: a multitracer PET paradigm combining 11C-Pittsburgh compound B and 18F-FDG. Journal of Nuclear Medicine, 53(1), 37-46.


Ansiedade em homens no período perinatal

Ansiedade em homens no período perinatal

Por Dr. Petrus Raulino

Uma meta-análise publicada no periódico The Journal Psychosomatic Obstetrics & Gynecology evidenciou que a prevalência de ansiedade entre homens durante o período perinatal, que inclui a gravidez até o primeiro ano pós-parto, foi de quase 11%.

Essa taxa foi bem mais alta do que a taxa de prevalência que seria esperada.

Estimativas da Organização Mundial de Saúde sugerem que a prevalência de ansiedade em homens nas regiões globais estudadas deveria variar de 2,2% a 3,8%.

Na meta-análise, a taxa de ansiedade durante a gravidez foi de 9,9%, enquanto que durante o primeiro ano pós-parto foi de 11,7%.

Para chegar a esses números, os pesquisadores analisaram dados de 23 estudos, representando 40.124 participantes.

Resultados do estudo

O estudo demonstrou que o transtorno de ansiedade paterno apresenta prevalência significativa, com potencial impacto direto no apoio que o pai dá à mãe e ao bebê.

É fato que muitos homens aumentem seus níveis de ansiedade no período de transição para a paternidade. O nascimento de um filho ou uma filha é um evento muito importante na vida.

As mudanças que a paternidade traz influenciam emoções, relacionamentos, finanças e questões profissionais.

Portanto, buscar avaliação personalizada e conhecimento profissional especializado pode ser a chave para um bom prognóstico. Não há saúde sem saúde mental.

 

Referências

Leiferman, J. A., Farewell, C. V., Jewell, J., Lacy, R., Walls, J., Harnke, B., & Paulson, J. F. (2021). Anxiety among fathers during the prenatal and postpartum period: a meta-analysis. Journal of Psychosomatic Obstetrics & Gynecology, 1-10.

World Health Organization. (2017). Depression and other common mental disorders: global health estimates. World Health Organization.


Por que os fármacos psiquiátricos ajudam alguns e não outros?

Por que os fármacos psiquiátricos ajudam alguns e não outros?

Por Dr. Petrus Raulino

A genética é conhecida por desempenhar um papel importante na manifestação de transtornos psiquiátricos.

Mas compreender como as variáveis genéticas afetam tratamentos é um quebra-cabeça de infindáveis peças.

Vários estudos em humanos e sistemas de modelos experimentais identificaram variações genéticas que podem ocasionar função neural anormal subjacente à ocorrência de transtornos mentais.

Estudos moleculares detalhados levaram ao desenvolvimento do conhecimento de muitos tratamentos farmacológicos para transtornos psiquiátricos.

Mesmo assim, muitos dos tratamentos psiquiátricos têm eficácia para alguns e não outros, provavelmente por questões genéticas.

Existem muitas publicações sobre como a genética pode influenciar o tratamento dos transtornos mentais, mas aqui vamos expor apenas um pequeno exemplo das possibilidades de pesquisa através de um estudo em modelo animal.

Nova pesquisa sobre as respostas ao tratamento

Uma pesquisa da Universidade do Colorado publicada na revista eLife demonstrou uma possível razão pela qual as diferenças de resposta ao tratamento possam existir.

Uma proteína no cérebro chamada Akt (proteína-quinase B) pode funcionar de maneira diferente entre homens e mulheres. Ou, no caso do estudo, entre camundongos machos e fêmeas.

A Akt é vista como uma das principais responsáveis por promover a “plasticidade sináptica”, isto é, a capacidade do cérebro de estabelecer conexões entre neurônios em resposta à alguma experiência.

Os pesquisadores conhecem três diferentes isoformas dessa proteína: Akt1, Akt2 e Akt3.

Isoformas são proteínas similares que se originam de um gene ou uma família de genes. Isoformas são resultado das diferenças genéticas.

A Akt1 quando combinada com a Akt2 no córtex pré-frontal é essencial para o aprendizado e memória. A Akt2, por exemplo, é encontrada em astrócitos e pode ter aumento de seus níveis quanto maior o grau de malignidade de gliomas. A Akt3 é associada ao desenvolvimento e ao crescimento do cérebro.

Os métodos utilizados no estudo com manipulação de roedores tiveram objetivo de analisar como camundongos machos e fêmeas reagem à deficiência de diferentes isoformas da Akt.

A deficiência de Akt1 afetou o comportamento relacionado a ansiedade, memória espacial, aprendizado e extinção (de medo ou memória) nos camundongos machos. Nas fêmeas não houve diferença. O mesmo ocorreu com a deficiência de Akt2.

Alterações comportamentais relacionadas a ansiedade, memória espacial, aprendizado e extinção (de medo ou memória) estão frequentemente presentes nos transtornos psiquiátricos.

Conclusão

O estudo demonstrou que diferentes isoformas de proteínas servem a diferentes propósitos e podem agir de maneira distinta em homens e mulheres, acrescentando mais uma peça ao enorme quebra-cabeça que é compreender os fatores genéticos associados a comportamentos.

A partir desse conhecimento, os pesquisadores têm a expectativa de que um dia seja possível focar em proteínas cerebrais específicas para tratar transtornos psiquiátricos de modo personalizado.

Mas há um longo caminho científico a ser percorrido. Por isso, mais estudos são necessários para entender como as diferenças da Akt podem ser úteis para que cada individuo receba o tratamento adequado à sua genética. Estamos atentos às novas pesquisas.

 

Referências

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