Por Dr. Petrus Raulino

 

Quanto mais as pesquisas avançam, mais observamos que aspectos da vida mental, tais como ansiedade, concentração e memória, estão entrelaçados sobre bases biológicas complexas e dinâmicas.

Compreender que há bases biológicas que influenciam alterações da vida mental também é uma forma de combater estigmas e mitos equivocados. Erramos menos quando entendemos que mente e cérebro são interligados e não funcionam separadamente.

 

O estudo realizado na UNICAMP

Segundo publicação da Agência Fapesp, um estudo realizado na UNICAMP sugeriu que a COVID-19 pode alterar o padrão de conectividade do cérebro mesmo nos casos de COVID-19 leve.

Os dados, ainda preliminares, parecem indicar que a COVID-19 pode causar uma espécie de “curto circuito” no órgão.

No estudo, 86 voluntários com COVID-19 resolvida há no mínimo dois meses foram submetidos a exames de ressonância magnética funcional para comparação com 125 indivíduos que não tiveram a doença.

O grupo que teve COVID-19 apresentou uma perda intensa da especificidade das redes cerebrais. Presume-se que isso faça o cérebro gastar mais energia e trabalhar de forma menos eficiente.

 

Covid-19 e a conectividade funcional do cérebro
As linhas azuis na imagem representam as conexões que estão diminuídas nos voluntários que tiveram COVID-19 em comparação aos indivíduos do grupo controle. As linhas vermelhas correspondem às conexões que estão aumentadas nos participantes que foram infectados pelo SARS-CoV-2 (imagem: Bruno Machado de Campos/Unicamp)

 

Os resultados do estudo

As alterações da ressonância magnética funcional coincidiram com uma série de sintomas persistentes. Cerca de dois meses após o diagnóstico os indivíduos relataram sintomas como fadiga / cansaço (53,5%), cefaleia (40,3%) e alteração da memória (37%).

Após seis meses do diagnóstico os indivíduos ainda relataram sintomas tardios, dentre os quais fadiga / cansaço (59,5%), sonolência diurna (36,3%), alterações da memória (54,2%), dificuldade de concentração (47%) e sintomas de ansiedade (41,9%, bem acima da média da população brasileira em torno de 10%).

Os exames de neuroimagem demonstraram que algumas regiões do córtex cerebral apresentaram menor espessura do que o esperado, dentre as quais áreas relacionadas com ansiedade. Outras regiões apresentaram aumento do volume, provavelmente por edema provocado pela COVID-19.

Até o momento não se sabe de que forma o vírus afeta o cérebro. Pode ser por dano direto ao infectar as células cerebrais ou dano indireto através de neuroinflamação. Em qualquer dos casos, pode haver alterações neuropsiquiátricas persistentes mesmo após COVID-19 leve.

Por um lado, os achados são surpreendentes. Por outro lado, já existe a hipótese e alguma evidência de que outros vírus de RNA também possam afetar o cérebro e provocar neuroinflamação.

O vírus da dengue é um exemplo. Há pesquisas que mostram que cerca de 60% dos pacientes com dengue apresentam níveis de ansiedade e depressão significativos. Sendo que 25% dos pacientes com dengue persistem com depressão mesmo depois da resolução da dengue. Há também pesquisas sobre a ação de longo prazo do vírus da dengue no cérebro humano.

Qual a hipótese que poderia servir de elo biológico que ligue dengue e depressão ou mesmo COVID-19 e depressão? Com base em pesquisas recentes, a neuroinflamação é uma excelente hipótese.

 

Referências

agencia.fapesp.br/covid-19-pode-alterar-o-padrao-de-conectividade-funcional-do-cerebro-aponta-estudo/35081/

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