Por Dr. Petrus Raulino

 

O que é esquizofrenia

Esquizofrenia é um transtorno mental que provoca distorções no pensamento e na percepção. Possui uma base biológica não muito bem compreendida, mas as evidências científicas apontam para fatores neuroquímicos e genéticos na sua gênese.

O diagnóstico de esquizofrenia é realizado por anamnese (história clínica), exame mental e exames complementares (para a exclusão de outros diagnósticos). Por isso é imprescindível lembrar: em caso de dúvida, consulte seu médico.

 

A neuroinflamação e a esquizofrenia

Há muitas pesquisas sobre a biologia da esquizofrenia. Nos últimos anos, muitas pesquisas têm demonstrado uma disfunção na produção de proteínas pró-inflamatórias relacionada ao transtorno. Há um volume crescente de evidências científicas que sugere haver um processo neuroinflamatório associado à esquizofrenia.

A neuroinflamação é caracterizada por alteração da atividade de células cerebrais (astrócitos e células microgliais) que produzem substâncias pró-inflamatórias e, consequentemente, prejudicam o funcionamento adequado dos neurônios, facilitando a ocorrência de sintomas da doença.

Recentemente, mais um achado intrigante que desperta a atenção para possíveis alterações do funcionamento imunológico e inflamatório em pacientes com esquizofrenia. Desta vez, a hipótese faz considerar não somente neuroinflamação, mas também alterações no sistema imune do organismo como um todo.

Um estudo publicado na Jama Psychiatry liderado por pesquisadores da NYU Grossman School of Medicine demonstrou que pessoas com esquizofrenia têm 2,7 vezes maior probabilidade de morrer em decorrência da COVID-19 do que aquelas sem o transtorno.

A título de comparação, os pacientes com idades entre 45 e 54 tiveram 3,9 vezes mais risco de morte por COVID-19 do que os mais jovens (e esse risco dobrou a cada 10 anos depois dos 54 anos), independente de transtorno mental.

Pacientes com insuficiência cardíaca ou diabetes tiveram 1,65 vezes e 1,28 vezes mais risco de morrer por COVID-19, respectivamente.

 

Modelo de risco ajustado para fatalidade em 45 dias, com diagnóstico psiquiátrico recente

A tabela abaixo mostra os dados da pesquisa com as razões de probabilidade, em inglês odds ratio (OD). O OD é uma estimativa do risco relativo.

Variável OR (IC 95%)
Idade
       18-44 1 [Referência]
       ?75 35,70 (22,73-56,07)
       65-74 16,60 (10,53-26,17)
       55-64 7,75 (4,91-12,24)
       45-54 3,90 (2,39- 6,38)
Transtorno do espectro da esquizofrenia 2,67 (1,26-5,69)
Sexo masculino 1,74 (1,46-2,06)
Insuficiência cardíaca 1,65 (1,27-2,14)
Outra raça vs raça branca 1,49 (1,21-1,85)
Hipertensão 1,43 (1,15-1,77)
Raça branca vs raça negra 1,35 (1,05-1,75)
Nunca fumante vs fumante atual 1,31 (0,84-2,04)
Raça asiática vs raça branca 1,29 (0,94-1,78)
Diabetes 1,28 (1,07-1,53)
Diagnóstico de transtorno do humor 1,27 (0,94-1,73)
Doença renal crônica 1,21 (0,96 -1,53)
Diagnóstico de transtorno de ansiedade 1,21 (0,77-1,90)
Nunca fumante vs ex-fumante 1,02 (0,84-1,25)
Câncer 1,01 (0,83-1,21)
Infarto do miocárdio 1,01 (0,81-1,24)
Raça mista vs raça branca 1,01 (0,56-1,83)
Doença pulmonar obstrutiva 0,97 (0,80-1,18)

Fonte: Nemani e col. (2021)

 

Os resultados das pesquisas

O risco maior de mortalidade por esquizofrenia, destacaram os pesquisadores, não pôde ser explicado por outros fatores frequentemente associados a transtornos mentais graves, como taxas mais altas de doenças cardíacas, diabetes ou tabagismo.

Os pesquisadores consideraram que atrasos na busca por tratamento ou acesso reduzido também não foram razões para maiores taxas de mortalidade na amostra de pacientes com esquizofrenia envolvidos na pesquisa.

Os resultados sugeriram que pode haver algo sobre a biologia da esquizofrenia que está tornando aqueles que a têm mais vulneráveis à COVID-19.

Os pesquisadores consideraram que uma explicação plausível é uma possível alteração do sistema imunológico ligada a fatores de risco genéticos ou adquiridos associados à esquizofrenia.

Os autores do estudo puderam determinar apenas o risco para pacientes com esquizofrenia que tiveram acesso a exames e cuidados médicos. Mais pesquisas são necessárias para esclarecer o quão prejudicial a COVID-19 pode ser para pacientes com esquizofrenia sem tratamento ou cuidados à saúde.

 

Referências

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