Efeitos epigenéticos induzidos por estabilizadores de humor na esquizofrenia e nos transtornos afetivos

Efeitos epigenéticos induzidos por estabilizadores de humor na Esquizofrenia e nos transtornos afetivos

Por Dr. Petrus Raulino

Uma pesquisa publicada na revista Frontiers in Pharmacology e realizada pelo Departamento de Psiquiatria e Psicologia da Mayo Clinic apresentou uma revisão sistemática de estudos que investigaram alterações epigenéticas induzidas por estabilizadores de humor não antipsicóticos (valproato, lítio, lamotrigina e carbamazepina).

A revisão buscou artigos científicos com modelos animais, linhagens celulares humanas e pessoas com Transtorno Bipolar, Esquizofrenia e Transtorno Depressivo Maior.

O epigenoma

Conhecer o epigenoma – a dinâmica que determina a expressão dos genes – permite saber melhor como os genes funcionam. O epigenoma responde a sinais ambientais “ligando” ou “desligando” a atividade de genes.

As alterações epigenéticas envolvem rearranjos de cromatina reversíveis que induzem padrões de expressão gênica mitoticamente hereditária, estável, de longo prazo e reversível sem alterar a sequência de DNA.

A metilação do DNA e as modificações nas histonas são as marcas epigenéticas mais estudadas em contextos fisiológicos e patológicos.

Em circunstâncias fisiológicas, os mecanismos epigenéticos controlam os processos neurobiológicos, mas a desregulação desses mecanismos pode se traduzir em um aumento do risco de desenvolvimento de doença.

Epimutações secundárias às interações gene-ambiente foram descritas como tendo um papel fundamental na fisiopatologia dos principais transtornos psiquiátricos, pois o material genético pode responder a modificações das condições ambientais.

Apesar da complexidade genética dos transtornos mentais, as evidências sugerem que o epigenoma pode ser modificado por estabilizadores de humor, potencialmente traduzindo-se em mudanças de longo prazo na evolução do transtorno.

Conclusão da pesquisa

A revisão concluiu que os dados científicos disponíveis confirmam efeitos do valproato e lítio no epigenoma de genes associados a transtornos psiquiátricos por diferentes mecanismos, sobretudo metilação de DNA e acetilação de histonas.

A revisão sugeriu que lamotrigina e carbamazepina podem ter um papel maior na ativação de mecanismos epigenéticos do que o número reduzido de estudos com esses fármacos parece sugerir.

Uma compreensão mais avançada das alterações epigenéticas induzidas por fármacos poderá facilitar no futuro intervenções personalizadas.

 

Referências

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Desfechos psiquiátricos e neurológicos em 236.379 sobreviventes de COVID-19

Desfechos psiquiátricos e neurológicos em 236.379 sobreviventes de COVID-19

Por Dr. Petrus Raulino

Desde o início da pandemia de COVID-19 é crescente a preocupação de que os sobreviventes possam ter maior risco de doenças neurológicas e psiquiátricas.

Um estudo observacional com 62.354 sobreviventes de COVID-19 demonstrou aumento do risco de transtornos de humor e ansiedade nos primeiros três meses após a infecção. Inclusive entre pacientes sem qualquer histórico psiquiátrico. 

Com o passar do tempo, novas pesquisas têm contribuído para que a ciência avance ainda mais no entendimento da evolução da COVID-19. 

Surgem pesquisas publicadas com dados em larga escala examinando os riscos de diagnósticos neurológicos e psiquiátricos após seis meses da infecção por COVID-19.

Novo estudo sobre condição psiquiátrica após COVID-19

Um estudo realizado recentemente na Universidade de Oxford e publicado no periódico The Lancet Psychiatry evidenciou que uma em cada três pessoas que sobreviveram à COVID-19 é diagnosticada com uma condição neurológica ou psiquiátrica seis meses após ser infectada.

Para chegar à essa conclusão, o estudo analisou os registros de saúde de mais de 230.000 pessoas com COVID-19 confirmada em 62 organizações de cuidados à saúde, principalmente dos EUA.

Resultados do estudo

No geral, a incidência estimada de diagnóstico de um transtorno neurológico ou psiquiátrico após a infecção por COVID-19 foi de 34%. Para 13% dessas pessoas, foi o primeiro diagnóstico neurológico ou psiquiátrico registrado.

Os diagnósticos mais comuns após COVID-19 foram transtornos de ansiedade (ocorrendo em 17% dos pacientes), transtornos do humor (14%), transtornos por uso de substâncias (7%) e insônia (5%). 

A incidência de desfechos neurológicos foi menor, incluindo 0,6% para hemorragia cerebral, 2,1% para acidente vascular cerebral isquêmico e 0,7% para demência.

Vale ressaltar que essas incidências foram ainda maiores em pacientes que necessitaram de hospitalização e marcantemente maiores naqueles que necessitaram de internação em UTI ou desenvolveram encefalopatia.

Muitas pessoas se perguntam como uma doença respiratória pode causar efeitos psiquiátricos ou neurológicos, e para essa pergunta ainda não está clara a resposta sobre o mecanismo fisiopatológico exato.

Entretanto, há várias hipóteses para os mecanismos potenciais que provocam a associação entre COVID-19 e transtornos psiquiátricos e/ou dano neurológico. Incluem invasão viral do sistema nervoso central, estados hipercoaguláveis e efeitos neurais da resposta imune. 

Conclusão

Infelizmente, muitos dos transtornos psiquiátricos identificados pelas pesquisas sobre COVID-19 tendem a ser crônicos ou recorrentes. Portanto, podemos antecipadamente presumir que o ônus da COVID-19 poderá estar conosco por muitos anos. 

Por outro lado, as pesquisas continuam e também poderão nos trazer informações valiosas de como lidar ou sobrepujar o ônus decorrente da COVID-19.

 

Referências

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Transtorno de estresse pós-traumático em pacientes pós-COVID-19 grave

Transtorno de estresse pós-traumático em pacientes pós-COVID-19 grave

Por Dr. Petrus Raulino

O que é o Transtorno de Estresse Pós-Traumático?

O Transtorno de Estresse pós-Traumático (TEPT) é um transtorno mental comum, impactante e complexo que ocorre após exposição a eventos traumáticos.

O TEPT é caracterizado por pensamentos intrusivos e revivência do trauma por meio de:

  • Reações dissociativas tipo flashback;
  • Esforços para evitar pensamentos, sentimentos, lugares ou pessoas relacionados ao trauma;
  • Humor e cognição persistentemente negativos;
  • Hiperexcitação evidenciada por ansiedade, dificuldade de sono e irritabilidade.

A falha na recuperação do TEPT pode ter efeitos prejudiciais no funcionamento social do indivíduo, assim como em sua saúde e vida familiar.

Estudos mostram que indivíduos que passaram por situações de emergência em saúde pública, como pandemias, podem apresentar sintomas de estresse em diferentes graus, mesmo após o fim da situação em questão.

Uma pesquisa realizada pela Fondazione Policlinico Universitario Agostino Gemelli IRCCS em Roma e publicada na JAMA Psychiatry estudou um grupo de pacientes que tiveram o diagnóstico de COVID-19, permaneceram internados e, após a recuperação, foram encaminhados a um serviço de atendimento pós-agudo para avaliação multidisciplinar.

Os pacientes foram avaliados por psiquiatras treinados para o diagnóstico de TEPT de acordo com os critérios do DSM-V.

Resultados do estudo

Dos 381 pacientes avaliados, 115 pacientes (30,2%) apresentaram TEPT. Na amostra total, os diagnósticos adicionais foram episódio depressivo (17,3%), episódio hipomaníaco (0,7%), transtorno de ansiedade generalizada (7%) e transtornos psicóticos (0,2%).

O estudo também demonstrou fatores de risco associados a taxas mais altas de TEPT: sexo feminino; histórico de transtornos psiquiátricos prévios; delirium ou agitação durante a fase aguda da doença; e persistência de sintomas após a hospitalização.

Os achados da pesquisa foram relevantes por nos chamaram a atenção quanto à necessidade de avaliação psiquiátrica para diagnóstico diferencial de pacientes pós-COVID-19 sintomáticos, dada a alta prevalência de TEPT, em linha com estudos no contexto de outras pandemias.

 

Referências

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American Psychiatric Association. (2014). DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais. Artmed Editora.


Transtorno Bipolar e Neuroquímica

Transtorno Bipolar e Neuroquímica

Por Dr. Petrus Raulino

A neuroquímica do Transtorno Bipolar é complexa e influenciada por vários genes de risco, cada qual com suas características e pequeno efeito.

Mas cada pequena peça desse enorme quebra-cabeça tem sua relevância.

Os efeitos do Transtorno Bipolar

Uma pesquisa translacional publicada na revista Neuron demonstrou que a diminuição da atividade da proteína-quinase B (Akt) pode levar a alterações cerebrais no córtex pré-frontal de homens com Transtorno Bipolar.

A Akt é um tipo de proteína que adiciona marcadores da molécula de fosfato a outras proteínas. Esses marcadores de fosfato atuam como um interruptor liga-desliga, mudando a forma como outras proteínas funcionam e influenciando funções vitais.

No cérebro, essas funções incluem aspectos da comunicação entre neurônios, podendo afetar o humor e o pensamento.

A família das proteínas Akt exerce muitos de seus efeitos celulares por meio da ativação da proteína alvo da Rapamicina (mTOR) através de uma sequência de proteínas intermediárias.

Na pesquisa, os homens com Transtorno Bipolar apresentaram atividade reduzida da via Akt-mTOR no córtex pré-frontal, uma região cerebral importante para processos cognitivos como memória e atenção.

Após observar correlação entre Transtorno Bipolar e via Akt mais silenciosa nos homens bipolares, os pesquisadores aplicaram uma abordagem translacional reversa, ou seja, o estudo foi estendido para intervenção em modelo animal.

Foram usados vírus para fornecer proteínas Akt fragmentadas ao córtex pré-frontal de camundongos. Essas proteínas fragmentadas substituíram as Akt que estavam funcionantes, inibindo a via Akt.

Em testes comportamentais, os camundongos manipulados demonstraram problemas de memória, deixando de explorar ambientes familiares.

Por outro lado, mantiveram comportamento social típico, sugerindo que a via não foi responsável por funções cerebrais mais complexas.

Ao exame do cérebro dos camundongos manipulados, observou-se que as espinhas dendríticas haviam sido danificadas.

As conexões entre neurônios ocorrem através das espinhas dendríticas. A destruição de espinhas dendríticas enfraquece as conexões neuronais e, consequentemente, o processamento cognitivo.

A hipoatividade da via Akt-mTOR no Transtorno Bipolar em homens pode ser um fator para déficit cognitivo – nos aspectos de memória e concentração.

Evidentemente, uma única via de proteínas não dá conta de explicar toda a complexidade do Transtorno Bipolar.

Mas a pesquisa é relevante, pois traz mais uma peça de um imenso quebra-cabeça. Continuamos na trilha das pesquisas.

 

Referências

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Transtorno Bipolar e Neuroinflamação

Transtorno Bipolar e Neuroinflamação

Por Dr. Petrus Raulino

O que é o Transtorno Bipolar?

O Transtorno Bipolar é um subtipo de transtorno de humor. Afeta cerca de 2% da população mundial.

O Transtorno Bipolar é uma condição psiquiátrica caracterizada por no mínimo dois episódios de humor (depressão ou mania) ao longo da vida, sendo que pelo menos um deles deve ser de mania.

Estudos com gêmeos demonstraram que a carga genética do Transtorno Bipolar é da ordem de 70 a 80%.

Existem fortes evidências de que o risco para Transtorno Bipolar é poligênico, ou seja, ocorre por meio de um conjunto de alelos, cada qual apresentando um pequeno efeito para o risco.

Estudos genéticos têm demonstrado expressão aberrante de RNA mensageiro de genes inflamatórios em pacientes com Transtorno Bipolar e seus descendentes.

O papel da Neuroinflamação

Nos últimos anos, as pesquisas científicas têm aumentado substancialmente a compreensão do papel da neuroinflamação em transtornos psiquiátricos.

Uma pesquisa in vitro publicada na revista Stem Cell Reports buscou entender se a sinalização molecular alterada de astrócitos induzida por inflamação estava associada ao Transtorno Bipolar.

Os astrócitos são células conhecidas por participarem da cascata inflamatória dentro do cérebro. Eles são ativados por interleucina-1? (IL-1?) e outras citocinas pró-inflamatórias e, por sua vez, secretam citocinas que participam do processo de neuroinflamação.

A pesquisa comparou marcadores de inflamação em astrócitos derivados de células-tronco pluripotentes (iPSCs) gerados a partir de pacientes com Transtorno Bipolar e de indivíduos saudáveis.

Resultados da pesquisa

A resposta dos astrócitos dos pacientes com Transtorno Bipolar às citocinas pró-inflamatórias revelou um padrão particular, caracterizado pela maior expressão do gene da interleucina-6 (IL-6). Como resultado, essas células secretaram mais IL-6, o que impactou negativamente a atividade de neurônios.

Os fatores secretados pelos astrócitos desempenham um papel na regulação da atividade neuronal e, no caso do Transtorno Bipolar, a IL-6 faz a mediação pelo menos em parte entre os efeitos dos astrócitos estimulados pela inflamação e a atividade neuronal.

Estas descobertas sugerem que a IL-6 pode contribuir para alterações do funcionamento neuronal associados ao Transtorno Bipolar, abrindo novos caminhos para a pesquisa clínica.

 

Referências

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neurônios

Preditor epigenético de mortalidade é acelerado no Transtorno Depressivo Maior

Por Dr. Petrus Raulino

O Transtorno Depressivo Maior (TDM) está associado à mortalidade prematura e pode representar um estado de envelhecimento celular acelerado.

Sabe-se que o TDM é um fator de risco independente para uma ampla gama de doenças, especialmente aquelas associadas ao envelhecimento, como doenças cardiovasculares, diabetes e Alzheimer.

No decorrer dos últimos anos, foram desenvolvidas métricas para estimar a idade biológica com base em padrões de metilação do DNA.

Mas o que é a metilação de DNA?

A metilação de DNA é um mecanismo epigenético, isto é, que provoca alteração da atividade genética sem envolver uma mudança da sequência de nucleotídeos do DNA. Envolve a transferência de um grupo metil para a citosina ou adenina.

A metilação de DNA regula a expressão gênica, inibindo-a. É um processo dinâmico que envolve metilação e desmetilação em diferentes padrões ao longo da vida.

O padrão de metilação do DNA pode ser visto como uma espécie de “relógio” epigenético, pois sugere uma idade biológica condizente com seu padrão. É um biomarcador da taxa de envelhecimento biológico.

As métricas relacionadas à estimativa da idade biológica têm sido usadas em pesquisas para capturar o envelhecimento acelerado nos transtornos psiquiátricos.

Estudo sobre TDM e tempo de vida

Em estudo recente publicado na revista Translational Psychiatry, amostras de sangue de indivíduos com TDM foram analisadas quanto aos padrões de metilação usando o “relógio” GrimAge.

O GrimAge é um algoritmo matemático projetado para predizer o tempo de vida restante de um indivíduo com base nos padrões de metilação celular.

Dois grupos de indivíduos foram comparados: (1) grupo-controle com voluntários saudáveis e (2) grupo de indivíduos com TDM moderado a grave, somaticamente saudáveis e não medicados.

O grupo com TDM mostrou um escore GrimAge significativamente mais alto em relação à sua idade cronológica em comparação aos indivíduos saudáveis da mesma idade cronológica – uma média de aproximadamente dois anos a mais no “relógio” GrimAge.

Esses achados mostram uma nova perspectiva sobre o aumento da morbidade e mortalidade associada ao TDM, sugerindo que possa existir um mecanismo biológico subjacente que acelera o envelhecimento celular em alguns portadores de TDM.

Novas pesquisas são necessárias para aumentar a compreensão dos achados e para avaliar a influência dos tratamentos do TDM no processo de envelhecimento celular.

 

Referências

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Poda Sináptica em excesso na Esquizofrenia?

Poda Sináptica em excesso na Esquizofrenia?

Por Dr. Petrus Raulino

O que é Poda Sináptica?

Poda sináptica é o processo natural de eliminação de sinapses que foram produzidas “em excesso” nos primeiros anos de vida. Ocorre normalmente de forma mais acelerada na infância e adolescência, com decréscimo gradual até o início da idade adulta.

O número de sinapses de um adulto é cerca de metade das sinapses de uma criança.

A poda sináptica pode ser entendida como um ajuste fino do sistema nervoso por meio da exclusão de sinapses extras.

O processo de poda sináptica se sobrepõe temporalmente à idade de início de muitos casos de esquizofrenia, que é do fim da adolescência ao princípio da idade adulta.

Poda Sináptica na Esquizofrenia

Na esquizofrenia, parece haver uma ruptura do processo normal de poda sináptica, provocando danos disseminados na comunicação neuronal.

Por isso, há a hipótese de que a perda excessiva de sinapses funcionais, em vez do refinamento normal dos circuitos, leve ao desenvolvimento da esquizofrenia.

Há muitas evidências de disfunção sináptica em pacientes com esquizofrenia.

Evidências post-mortem demonstraram uma redução significativa da sinaptofisina em pacientes com esquizofrenia comparados com grupo controle. A sinaptofisina é uma glicoproteína que serve como marcador da densidade sináptica.

Em pacientes com esquizofrenia, a densidade sináptica tende a ser menor no córtex frontal e no córtex cingulado anterior.

Mas qual a hipótese para explicar o mecanismo de perda de densidade sináptica na esquizofrenia?

As evidências sugerem que a alteração da atividade de células microgliais pode levar à poda sináptica desregulada nas regiões corticais, provocando problemas cognitivos e sintomas associados à esquizofrenia.

Se for este o caso, intervenções farmacológicas que tenham como alvo a eliminação microglial de sinapses merecem mais pesquisas com o objetivo de buscar opções terapêuticas para proteger o cérebro de indivíduos com risco para esquizofrenia.

 

Referências

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Genética de traços neuropsiquiátricos por sexo

Genética de traços neuropsiquiátricos por sexo

Por Dr. Petrus Raulino

Uma pesquisa publicada na revista Biological Psychiatry analisou as diferenças genéticas subjacentes entre os sexos para entender porque o Transtorno Bipolar, a Esquizofrenia e o transtorno depressivo maior afetam homens e mulheres de modo e em graus diferentes.

Foram investigadas as diferenças sexuais na arquitetura genética de vinte traços neuropsiquiátricos e comportamentais usando estatísticas sumárias de análise de associação genômica ampla (GWAS) autossômica estratificada por sexo.

Foram usadas três abordagens complementares – incluindo estimativa de herdabilidade baseada em polimorfismo de nucleotídeo único (SNP), correlação genética e análises de heterogeneidade – para avaliar as diferenças de sexo dentro das características e entre pares de características.

A análise de associação genômica ampla identificou quase uma dúzia de polimorfismos de nucleotídeo único que diferiam entre homens e mulheres com diagnóstico de um dos três transtornos.

Os polimorfismos de nucleotídeo único são uma variação na sequência de DNA que afeta somente uma base nitrogenada – adenina (A), timina (T), citosina (C) ou guanina (G) – na sequência do genoma entre indivíduos de uma espécie ou entre pares de cromossomos de um individuo.

Em alguns casos, um polimorfismo de nucleotídeo único estava ligado apenas à doença em um sexo, enquanto em outros casos o mesmo polimorfismo de nucleotídeo único diminuía a probabilidade de desenvolver um distúrbio em um sexo enquanto a aumentava no outro.

Os genes que abrigam esses polimorfismos de nucleotídeo único foram ligados às vias de desenvolvimento vascular, imunológico e neuronal, fornecendo pistas sobre a interação entre a saúde cardiovascular e neurológica.

Embora a maioria dos efeitos genéticos para traços neuropsiquiátricos e comportamentais sejam semelhantes para homens e mulheres, os efeitos genéticos diferenciados por sexo podem ser identificados.

Nesse estudo foi evidenciado pela primeira vez que uma parte dos efeitos genéticos diferenciados por sexo é distribuída entre traços.

As diferenças entre os sexos na arquitetura genética autossômica comum dos fenótipos neuropsiquiátricos e comportamentais são pequenas e poligênicas. É improvável que expliquem por completo os atributos sexualmente diferenciados que observamos.

Serão necessários estudos adicionais, com amostras maiores, para avançar na identificação dos efeitos diferenciados por sexo para a maioria dos traços.

Mas o referido estudo tem implicações importantes para o futuro da pesquisa em diferenças sexuais.

Compreender a base biológica das diferenças sexuais nas doenças humanas, incluindo os fenótipos neuropsiquiátricos, é fundamental para o desenvolvimento de diagnósticos e terapêuticas baseados no sexo e para cumprir a meta da medicina de precisão.

 

Referências

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neurônios

Estresse traumático na infância pode levar a mudanças cerebrais na idade adulta

Por Dr. Petrus Raulino

Um estudo realizado na Universidade de Alberta mostrou que eventos traumáticos ou estressantes na infância podem afetar o volume de estruturas cerebrais. O estudo foi publicado na revista científica Journal of Psychiatry & Neuroscience.

Os eventos traumáticos na infância podem induzir a mudanças biológicas na estrutura cerebral: especialmente em sub-regiões específicas dos hipocampos e amígdalas cerebrais.

Na fase adulta, essas alterações podem tornar-se mal adaptativas, tornando as pessoas mais vulneráveis a transtornos psiquiátricos.

Sabe-se que o estresse pós-traumático é um fator de risco bem conhecido para o desenvolvimento de transtornos mentais, como o Transtorno Depressivo Maior (TDM) na idade adulta.

O hipocampo é fundamental para a formação e arquivamento de memórias emocionais e verbais. A amígdala é corresponsável pela criação de conteúdo emocional de memórias associadas a respostas agressivas e ao medo.

Para o estudo, foram recrutados 35 participantes com diagnóstico de Transtorno Depressivo Maior e 35 participantes saudáveis para grupo-controle.

Foram realizados exames de ressonância magnética de crânio. O histórico de traumas na infância foi avaliado por meio de escala (Childhood Trauma Questionnaire).

O estudo apresentou evidências in vivo de associações negativas entre história de maus tratos na infância e volumes na amígdala direita, hipocampo anterior e subcampo do corno de Amon total (CA 1-3) bilateralmente.

 

Segmentação do hipocampo e da amígdala. Corno de Amon delineado em vermelho, giro denteado em azul e subículo em verde. Núcleo lateral da amígdala delineado em rosa, núcleo basal em roxo escuro, núcleo basal acessório em roxo claro, grupo cortical em laranja e grupo centromedial em amarelo
FIGURA – Segmentação do hipocampo e da amígdala. Corno de Amon delineado em vermelho, giro denteado em azul e subículo em verde. Núcleo lateral da amígdala delineado em rosa, núcleo basal em roxo escuro, núcleo basal acessório em roxo claro, grupo cortical em laranja e grupo centromedial em amarelo. Fonte: Aghamohammadi-Sereshki e col., 2021.

Maior escore de história de maus tratos na infância foi associado a menor volume de estruturas do lobo temporal medial em participantes com Transtorno Depressivo Maior.

Os achados da pesquisa podem representar mais um passo na direção para identificar os mecanismos biológicos potenciais pelos quais os maus tratos na infância levam a impactos clínicos na vida adulta.

 

Referências

Aghamohammadi-Sereshki, A., Coupland, N. J., Silverstone, P. H., Huang, Y., Hegadoren, K. M., Carter, R., ... & Malykhin, N. V. (2021). Effects of childhood adversity on the volumes of the amygdala subnuclei and hippocampal subfields in individuals with major depressive disorder. Journal of Psychiatry & Neuroscience: JPN, 46(1), E186.

Schmaal, L., Veltman, D. J., van Erp, T. G., Sämann, P. G., Frodl, T., Jahanshad, N., ... & Hibar, D. P. (2016). Subcortical brain alterations in major depressive disorder: findings from the ENIGMA Major Depressive Disorder working group. Molecular psychiatry, 21(6), 806-812.

Lindert, J., von Ehrenstein, O. S., Grashow, R., Gal, G., Braehler, E., & Weisskopf, M. G. (2014). Sexual and physical abuse in childhood is associated with depression and anxiety over the life course: systematic review and meta-analysis. International journal of public health, 59(2), 359-372.


Depressão pós-parto pode persistir três anos após o parto

Depressão pós-parto pode persistir três anos após o parto

Por Dr. Petrus Raulino

O que é Depressão Materna?

A depressão materna é o transtorno mental de maior prevalência durante a gestação e o puerpério.

A depressão materna contribui para prejuízos na interação com o bebê e aumenta o risco dos bebês para distúrbios cognitivos, emocionais e comportamentais.

A depressão após o parto

Um estudo publicado na revista Pediatrics conduzido por pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano (NICHD) demonstrou que 1 a cada 4 mulheres experimentou altos níveis de sintomas depressivos em algum momento nos três anos após o parto.

Para comparação, a prevalência de depressão ao longo da vida na população geral é de cerca de 20%.

Portanto, a prevalência de 25% de depressão nos três anos seguintes ao parto é elevada e chama a atenção.

Os pesquisadores também identificaram quatro trajetórias de sintomas depressivos pós-parto e os fatores que podem aumentar os riscos de uma mulher desenvolver sintomas graves.

As trajetórias dos sintomas depressivos foram identificadas como:

  1. Baixo-estável, caracterizada por sintomas brandos no período (74,7%);
  2. Baixo-crescente, caracterizado por sintomas inicialmente brandos, mas crescentes no período (8,2%);
  3. Médio-decrescente, caracterizado por sintomas inicialmente moderados, mas remitidos ao longo do tempo (12,6%);
  4. Alto-persistente, caracterizado por sintomas em níveis elevados e persistentes (4,5%).

Perfis mais sujeitos a desenvolver sintomas depressivos no puerpério

Mulheres com história de transtornos de humor no passado ou durante a gestação são sujeitas a desenvolver sintomas depressivos no puerpério.

Gravidez não planejada ou não desejada também são fatores que aumentam o estresse e podem causar o aparecimento dos sintomas.

Fatores físicos, emocionais e de estilo de vida também podem influenciar de alguma forma o surgimento de transtorno depressivo.

Evidências sugerem que muitas mães não procuram tratamento. Muitas mulheres esperam que os sintomas passem sem tratamento.

O tratamento adequado protege a mãe e o bebê contra o ônus da depressão. É importante buscar suporte especializado em saúde mental. O conhecimento qualificado faz diferença.

 

Referências

Putnick, D. L., Sundaram, R., Bell, E. M., Ghassabian, A., Goldstein, R. B., Robinson, S. L., ... & Yeung, E. (2020). Trajectories of maternal postpartum depressive symptoms. Pediatrics, 146(5).

Dennis, C. L., & Chung?Lee, L. (2006). Postpartum depression help?seeking barriers and maternal treatment preferences: A qualitative systematic review. Birth, 33(4), 323-331.