Escetamina: o que é e para que serve?

O que é e para que serve escetamina? Milhões pelo mundo lutam contra a depressão resistente. Ela promete alívio rápido dos sintomas depressivos.

Esse avanço representa uma espécie de revolução no tratamento da depressão, mudando o panorama de recuperação. Mas como exatamente a escetamina destaca-se na luta contra a depressão resistente? Vamos nos debruçar por essa solução terapêutica, que promete transformar a vida dos que buscaram soluções em vão.

Pontos de atenção

Diante do combate à depressão resistente, a escetamina é destacada como uma nova opção terapêutica. Ela se diferencia pela capacidade de melhorar rapidamente os sintomas depressivos. Isso é um avanço importante para pacientes que não se beneficiaram de tratamentos convencionais. Mas é importante estar atento aos seguintes pontos:

  • A ⁠infusão de cetamina para depressão é off label no Brasil, sendo on label (recomendação oficial) apenas a forma S (escetamina) intranasal no Brasil;
  • O tratamento com cloridrato de escetamina é indicado para pacientes que não responderam a outros antidepressivos;
  • A ação rápida da escetamina pode aliviar sintomas depressivos em menos de 24 horas após a administração;
  • A aprovação pela Anvisa torna o uso de escetamina específico para o ambiente hospitalar ou clínica autorizada, sob monitoramento médico;
  • A escetamina oferece um novo mecanismo de ação como modulador de glutamato, diferenciando-se de outros antidepressivos;
  • O monitoramento médico é essencial devido aos potenciais efeitos colaterais da escetamina;
  • O uso da escetamina requer cuidados especiais para prevenir abuso e dependência;
  • A escetamina e sua função como tratamento inovador para depressão.

O que é a escetamina?

A escetamina trata adultos com depressão que não tiveram êxito com outros tratamentos. Por meio do uso intranasal, ela traz esperança para uma melhora eficaz e rápida dos sintomas graves.

Portanto, é um medicamento utilizado principalmente para o tratamento da depressão resistente ao tratamento (DRT) ou seja, transtorno depressivo maior (TDM) em adultos que não responderam adequadamente a outros antidepressivos, e para a rápida redução de sintomas depressivos em pacientes com comportamento ou ideação suicida aguda.

É um enantiômero do composto químico cetamina e atua como um antagonista do receptor NMDA, que está envolvido na modulação do humor e da percepção da dor. É administrada sob a forma de spray nasal e deve ser usada sob supervisão médica devido ao seu potencial para efeitos colaterais e abuso.

Indicações da escetamina e seu papel na depressão resistente ao tratamento

A escetamina deve ser recomendada por um psiquiatra bem qualificado e utilizada em ambientes controlados, como hospitais e clínicas especializadas. Em geral ela serve como tratamento coadjuvante aos antidepressivos orais, aumentando as chances de melhora ao proporcionar alívio mais rápido da doença.

Ação rápida da escetamina e seus efeitos nos sintomas depressivos

Um dos destaques da escetamina é a sua ação rápida. A melhora dos sintomas é frequentemente observada nas primeiras 24 horas. Isso representa uma revolução no tratamento de uma condição tão complexa quanto a depressão.

A escetamina, devido à sua ação como antagonista do receptor NMDA, pode proporcionar alívio rápido dos sintomas depressivos, muitas vezes dentro de horas ou dias, em comparação com as semanas que podem ser necessárias para que os antidepressivos tradicionais façam efeito.

Essa rapidez na ação torna a escetamina uma opção valiosa para pessoas com depressão grave e para aqueles que não tiveram sucesso com outros tratamentos.

Os efeitos podem incluir melhora do humor, aumento da energia e diminuição dos pensamentos suicidas. No entanto, os efeitos a longo prazo e a segurança do uso contínuo ainda estão sendo estudados. Além disso, seus benefícios tendem a ser transitórios e fugazes.

Mecanismos de ação: como a escetamina atua no organismo?

É vital entender como a escetamina opera no cérebro para compreender seu efeito contra a depressão. Esse medicamento se destaca por ser um modulador de glutamato, um mecanismo de ação que difere dos tratamentos convencionais. Isso marca um avanço importante no tratamento da saúde mental.

A escetamina atua no organismo como um antagonista seletivo do receptor N-metil-D-aspartato (NMDA), um subtipo de receptor de glutamato.

Ao bloquear esses receptores, a escetamina interfere na transmissão de sinais entre os neurônios mediados pelo glutamato, um neurotransmissor chave envolvido na regulação do humor e na cognição.

Este bloqueio pode resultar em um estímulo para maior atividade de outros neurotransmissores, como a serotonina, a noradrenalina e a dopamina, que podem contribuir para os efeitos antidepressivos e para a melhora do humor.

A escetamina também parece promover a neuroplasticidade, que é a capacidade do cérebro de se adaptar e reorganizar, o que pode ajudar a aliviar os sintomas depressivos.

Além disso, a escetamina parece ativar o sistema opióide, o que pode implicar em aumento do risco de dependência que deve ser muito bem avaliado pelo médico.

Receptores de glutamato e conexões neuronais

A escetamina interage diretamente com os receptores de glutamato, essenciais para a conexão entre células cerebrais. O glutamato, principal neurotransmissor excitatório do cérebro, desempenha um papel crucial na formação de memórias e na plasticidade cerebral.

Através da modulação desse neurotransmissor, a escetamina parece ajudar a reparar as conexões neurais danificadas pela depressão.

Diferenças entre a escetamina e outros antidepressivos

Os antidepressivos tradicionais atuam principalmente através da ação da serotonina e noradrenalina. A escetamina, por outro lado, foca no ajuste da atividade do glutamato, sua ação se baseia em um paradigma inovador e tem trazido resultados encorajadores, especialmente em casos onde outras abordagens falharam.

Além disso, a escetamina difere dos antidepressivos tradicionais em vários aspectos:

Mecanismo de ação: enquanto a maioria dos antidepressivos, como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) e os inibidores de recaptação de serotonina e noradrelalina (IRSN), atuam aumentando a disponibilidade de neurotransmissores como serotonina e/ou noradrenalina, a escetamina atua bloqueando os receptores NMDA do glutamato.

Velocidade de ação: a escetamina pode proporcionar alívio dos sintomas depressivos de forma mais rápida, muitas vezes dentro de horas ou dias, enquanto os antidepressivos tradicionais podem levar semanas para mostrar benefícios.

Via de administração: a escetamina é administrada por via nasal, enquanto a maioria dos antidepressivos tradicionais é administrada por via oral.

Indicação: a escetamina é aprovada especificamente para o tratamento da depressão resistente ao tratamento ou para o transtorno depressivo maior com comportamento ou ideação suicida aguda - em combinação com um antidepressivo oral -, enquanto outros antidepressivos são usados como tratamento de primeira linha.

Efeitos colaterais: a escetamina pode ter um perfil de efeitos colaterais diferente, incluindo dissociação, aumento da pressão arterial, estado confusional, entre outros, que não são comumente associados aos antidepressivos tradicionais.

Potencial de abuso: devido às suas propriedades dissociativas e psicoativas, a escetamina tem um potencial de abuso e dependência, o que requer que seja administrada sob estrita supervisão médica.

Escetamina: uso aprovado e recomendações oficiais no Brasil

A saúde mental no Brasil recebeu um forte impulso com a aprovação da Anvisa para a escetamina intranasal. Esta decisão marca um avanço para terapias mais avançadas e focadas, especialmente para a depressão resistente a tratamentos convencionais.

Como tratamento on label, a escetamina oferece uma nova opção para aqueles que não se beneficiaram de métodos tradicionais. Mas seu uso seguro e efetivo é restrito a ambientes supervisionados, exigindo acompanhamento médico.

Administração exclusiva em hospitais ou clínicas autorizadas

A escetamina é administrada exclusivamente em hospitais ou clínicas autorizadas devido ao seu potencial de efeitos colaterais significativos e ao risco de abuso e mau uso.

Esses locais têm protocolos específicos para monitorar o paciente durante e após a administração do medicamento, garantindo a segurança e eficácia do tratamento. A supervisão médica no momento da administração permite o manejo imediato de quaisquer efeitos adversos. Mas a avaliação da resposta ao fármaco ao longo do tratamento é feita pelo médico psiquiatra que acompanha o paciente.

As redes de saúde têm um papel crucial na implementação correta do tratamento. Por isso, é vital seguir estritamente os protocolos para otimizar os benefícios terapêuticos e reduzir riscos.

Precauções e efeitos colaterais da escetamina

O uso da escetamina como terapia emergencial para depressão que não responde a tratamentos convencionais requer controle rigoroso. Isso assegura, simultaneamente, a eficácia e a segurança para quem a utiliza.

Dada a sua potência e impacto psicotrópico, a supervisão de um especialista é crucial em cada etapa do tratamento. Este acompanhamento busca reduzir riscos de reações adversas, entre elas:

  • Gravidez e amamentação: a segurança da escetamina durante a gravidez e amamentação não está estabelecida, portanto não é recomendada.
  • Dissociação: sensação de estar desconectado de si mesmo e da realidade.
  • Sedação: sonolência ou sensação de calma excessiva.
  • Tontura e náusea: sensações de vertigem ou enjoos.
  • Aumento da pressão arterial: elevações transitórias na pressão arterial imediatamente após a administração.
  • Efeitos cognitivos: dificuldade de atenção, julgamento e pensamento.
  • Efeitos psiquiátricos: aumento da ansiedade, paranóia ou pânico.

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Se você está enfrentando o Transtorno Depressivo Maior ou a depressão resistente ao tratamento e procura por uma abordagem especializada, não hesite em agendar uma consulta com o Dr. Petrus Raulino.

Com uma sólida formação em Medicina pela UNICAMP, residência médica em psiquiatria e psicoterapia também pela UNICAMP, e mais de 20 anos de experiência, o Dr. Raulino está preparado para oferecer o suporte e as opções de tratamento que você necessita.


Gravidade clínica e metabolismo do cálcio no Transtorno Bipolar

Gravidade clínica e metabolismo do cálcio no Transtorno Bipolar

Por Dr. Petrus Raulino

Uma pesquisa publicada na revista Brain Science e realizada pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade de Campania, Itália, sugere que a homeostase do cálcio pode desempenhar um papel na gravidade do Transtorno Bipolar.

Níveis séricos de cálcio, vitamina D e paratormônio (PTH) podem teoricamente ser usados como marcadores de inflamação crônica e, consequentemente, de neuroinflamação.

A homeostase do cálcio está implicada em vários processos fisiológicos, como o equilíbrio da homeostase do sistema músculo-esquelético, a modulação imunológica, o sistema de defesa antioxidante e em diversos processos inflamatórios.

Já o PTH (hormônio da paratireóide) regula os níveis de cálcio circulante e intracelular no Sistema Nervoso Central. Em níveis elevados, pode induzir morte celular por sobrecarga de cálcio.

O PTH também promove a conversão da vitamina D em sua forma ativa, estando envolvido na regulação neuroprotetora e anti-inflamatória. A vitamina D modula a síntese de neurotransmissores, influenciando o humor.

Altos níveis de PTH podem estar associados a danos neurais e são associados a maior ônus e piores resultados clínicos do Transtorno Bipolar.

No estudo publicado, foram selecionados 199 pacientes com Transtorno Bipolar tipo 1 (54,8%) ou tipo 2. Nenhum paciente apresentava comorbidades neurológicas ou abuso de substâncias. Foram obtidas amostras de sangue para os exames de todos.

Resultados da pesquisa

O principal achado do estudo foi a associação entre níveis elevados de PTH e gravidade do Transtorno Bipolar, o que pode ser devido a vários fatores.

Primeiro, os níveis de PTH podem influenciar os níveis de neuroinflamação crônica, que está significativamente associada a um maior ônus da doença e uma apresentação clínica mais grave do transtorno.

Altos níveis de PTH podem levar a alterações dos neurotransmissores, desenvolvimento cerebral disfuncional, redução da imunorregulação e ações anti-inflamatórias.

Segundo, a relação entre os níveis elevados de PTH e a idade de início pode ser devido a uma deficiência crônica de vitamina D, que desencadeia o processo de neuroinflamação.

Terceiro, a associação entre comportamentos agressivos e níveis elevados de PTH pode ser explicada pelo papel do desequilíbrio do cálcio na síntese de neurotransmissores de serotonina através das vias do triptofano.

Por fim, sabe-se que 25% dos pacientes tratados com lítio podem apresentar hipercalcemia secundária a aumento dos níveis de PTH.

Conclusão

Os resultados sugerem que o desequilíbrio do cálcio pode influenciar o prognóstico de longo prazo da patologia Bipolar. Os níveis de PTH, vitamina D e cálcio nos pacientes com Transtorno Bipolar devem ser acompanhados por serem um marcador de gravidade clínica.

 

Referências

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Epigenética da depressão

Epigenética da depressão

Por Dr. Petrus Raulino

Sabe-se que o estresse pode desencadear a depressão. Por isso, a concepção atual sobre a etiologia da depressão leva em consideração fatores ambientais e genéticos, interagindo e modulando uns aos outros.

Nos últimos anos, tem crescido a base de evidência da epigenética como um terceiro fator plausível.

Um artigo publicado no periódico Journal of Personalized Medicine revisou estudos recentes que sugerem uma associação significativa entre epigenética e mecanismos moleculares da depressão, assim como da resposta ao tratamento.

O que é Epigenética?

Epigenética é o conjunto de modificações genéticas herdáveis que não alteram a sequência do DNA.

Modificações epigenéticas

As modificações epigenéticas não estão restritas a uma fase específica da vida. Ou seja, ocorrem desde a fecundação e continuam a acontecer durante toda a vida. Além disso, são sensíveis a mudanças ambientais.

As modificações epigenéticas podem ser divididas em: metilação do DNA, modificação pós-traducional da histona e interferência de microRNA (miRNA) ou de RNA não codificante longo (lncRNA).

As modificações epigenéticas são capazes de influenciar a gravidade da doença e o resultado da farmacoterapia.

Há marcas epigenéticas que são introduzidas durante eventos prejudiciais no início da vida, refletindo uma maior vulnerabilidade à depressão ao longo da vida do indivíduo.

Resultados do estudo

O estudo concluiu que muitas evidências sugerem fortemente que as modificações epigenéticas estão associadas à etiopatogênese da depressão, neuroplasticidade, tratamento com antidepressivos e, mais que isso, podem ser consideradas como potenciais biomarcadores da depressão.

Os dados apresentados também sugeriram que, do ponto de vista clínico, inibidores de histona desacetilase (HDACis) poderiam servir como novos agentes antidepressivos mesmo em um futuro próximo.

Além disso, embora o envolvimento da metilação do DNA, de modificações de histonas e de mudanças na expressão de miRNA tenha sido substancialmente investigado na patogênese e terapia da depressão, a pesquisa voltada para lncRNAs ainda é muito incipiente.

Portanto, estudar as interações entre lncRNAs, miRNAs e vários mRNAs alvo pode ser um caminho interessante para pesquisas futuras.

 

Referências

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COVID-19 afeta a neurobiologia do suicídio?

COVID-19 afeta a neurobiologia do suicídio?

Por Dr. Petrus Raulino

Uma revisão publicada na revista Current Psychiatry Reports analisou o efeito da COVID-19 nas características biológicas da vulnerabilidade ao suicídio e sua interação com as vias biológicas relacionadas ao suicídio.

A hipótese é que o SARS-CoV-2 interage com vários processos biológicos subjacentes ao comportamento suicida, como o sistema renina-angiotensina, receptores nicotínicos (desregulação da via anti-inflamatória colinérgica) e inflamação central e sistêmica.

Além disso, as medidas de distanciamento social também podem piorar a desconexão social objetiva (distanciamento físico) ou subjetiva (solidão), aumentando o risco principalmente em pessoas com predisposição para transtornos mentais.

Quanto ao sistema renina-angiotensina, pesquisas recentes sobre a COVID-19 demonstraram que o vírus entra nas células hospedeiras por meio da interação de sua proteína “spike” com o receptor da enzima conversora de angiotensina 2 (ACE-2), diminuindo a atividade da mesma.

Ao desequilibrar as vias metabólicas da ACE/ACE-2, a COVID-19 pode teoricamente afetar a vulnerabilidade para o suicídio em indivíduos que carregam os genótipos de “risco” da ACE.

Os pacientes em risco de suicídio podem apresentar maior suscetibilidade à desregulação do eixo hipotálamo-hipófise adrenal após a infecção por SARS-CoV-2 porque o vírus tem como alvo o ACE-2 e pode afetar o equilíbrio ACE/ACE-2 que está associado à desregulação do eixo hipotálamo-hipófise adrenal em indivíduos deprimidos.

A inflamação relacionada à COVID-19 também pode se estender ao Sistema Nervoso Central por meio da quebra da barreira hematoencefálica, neuroinvasão viral e secreção de citocinas.

Nas infecções virais, vários mecanismos podem relacionar-se a neuroinflamação: transporte axonal retrógrado do vírus da mucosa respiratória, inflamação periférica que modula a função cerebral e migração de células mononucleares transportando o vírus através da barreira hematoencefálica.

No cérebro, a infecção por SARS-CoV-2 pode teoricamente iniciar uma inflamação crônica de baixo grau que altera as funções cognitivas e induz neurotoxicidade e neurodegenaração, preparando assim o terreno para a ocorrência de transtornos psiquiátricos.

O conhecimento das interações entre a COVID-19 e a neurobiologia do suicídio pode trazer benefícios para o desenvolvimento de tratamentos de prevenção ao suicídio no contexto da pandemia.

Além disso, pode ajudar a desmistificar a busca por tratamento com médico psiquiatra e medicamentos contra a Covid.

 

Referências

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Capsulotomia por Gamma Knife para transtorno obsessivo compulsivo intratável

Capsulotomia por Gamma Knife para Transtorno Obsessivo Compulsivo intratável

Por Dr. Petrus Raulino

Em um artigo publicado na revista Molecular Psychiatry, pesquisadores revisaram a evolução da psicocirurgia (neurocirurgia em psiquiatria) para Transtorno Obsessivo-compulsivo (TOC).

A psicocirurgia é reservada apenas para pacientes com TOC grave, incapacitante e refratário a várias tentativas de tratamento com medicação e psicoterapia. Os critérios de indicação são bastante rigorosos.

No passado, em uma época quando o tratamento farmacológico em psiquiatria era praticamente inexistente, a primeira fase da neurocirurgia em psiquiatria foi um período caracterizado principalmente por critérios de indicação pouco claros.

Havia um desconhecimento da neurobiologia dos quadros psiquiátricos. As técnicas cirúrgicas eram inadequadas, com lesões extensas e irreversíveis que produziam grandes efeitos adversos.

Atualmente, com o avanço da tecnologia e do conhecimento científico, o tratamento dos transtornos mentais graves por meio da neurocirurgia vem ganhando força na psiquiatria.

Uma modalidade neurocirúrgica atualmente utilizada é a capsulotomia por Gamma Knife. É parecida com radioterapia, onde feixes de raios gama são focalizados em regiões específicas do cérebro de forma não invasiva, induzindo uma “lesão” extremamente precisa.

Por meio desta técnica, há a interrupção de conexões entre áreas pré-frontais (dlPFC, OFC lateral e medial, vmPFC, ACC) e substância cinzenta subcortical (estriado ventral, núcleo dorsomedial do tálamo, hipotálamo, estria terminal, ponte e cinza periaquedutal) implicadas no TOC.

O objetivo é diminuir a gravidade dos sintomas, modulando as vias neurais do TOC, mas também aumentando a eficácia das terapias farmacológicas e psicológicas que funcionam de forma sinérgica com a capsulotomia por Gamma Knife.

As possíveis complicações incluem edema do lobo frontal ou a rara formação de cistos radionecróticos tardios, que são mais frequentes com antigas técnicas de capsulotomia. Esses eventos adversos se tornaram muito menos comuns com as novas doses de radiação e estratégias de direcionamento da capsulotomia por Gamma Knife.

Este procedimento deve ser realizado em centros especializados, capazes de oferecer cuidados multidisciplinares e de longo prazo, para o paciente e seus familiares.

 

Referências

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Análise do genoma revela extensa sobreposição genética entre esquizofrenia, transtorno bipolar e inteligência

Genoma revela sobreposição entre Esquizofrenia e Transtorno Bipolar

Por Dr. Petrus Raulino

Um estudo publicado na revista Molecular Psychiatry analisou dados de estudo de associação genômica ampla entre Esquizofrenia, Transtorno Bipolar e inteligência geral para investigar sobreposição de variantes genéticas comuns.

Esquizofrenia e Transtorno Bipolar

A Esquizofrenia e o Transtorno Bipolar são transtornos mentais mundialmente reconhecidos entre as principais causas de morbidade e mortalidade no mundo.

Embora sejam diferentes, podem eventualmente compartilhar algumas características clínicas, incluindo alterações do humor, pensamento, percepção e funcionamento social.

As manifestações clínicas desses transtornos podem ser acompanhadas por comprometimento cognitivo, embora este tenda a ser mais grave na Esquizofrenia do que no Transtorno Bipolar.

Dentre os domínios cognitivos estão funções executivas, aprendizagem verbal, velocidade de processamento e memória, bem como inteligência geral.

Evidências crescentes indicam que o risco genético para Esquizofrenia pode contribuir para o comprometimento cognitivo.

Por sua vez, a relação genética entre Transtorno Bipolar e função cognitiva ainda permanece pouco compreendida.

No estudo em questão ficou demonstrado uma sobreposição poligênica entre inteligência, Esquizofrenia e Transtorno Bipolar.

Um locus é o local fixo em um cromossomo onde está localizado determinado gene ou marcador genético.

No estudo, foram identificados 75 loci gênicos associados em conjunto com Esquizofrenia e inteligência e 12 loci gênicos associados em conjunto com Transtorno Bipolar e inteligência.

Entre os loci compartilhados, 20 foram novos loci de risco para Esquizofrenia e 4 foram novos para Transtorno Bipolar.

Ao todo, o estudo indicou que grandes frações das arquiteturas de risco genético subjacentes a Esquizofrenia, mutações genéticas e Transtorno Bipolar também influenciam a inteligência, embora de maneira diferente.

Os resultados sugeriram que a relação genética entre os três (Esquizofrenia, Transtorno Bipolar e inteligência) é mais complexa do que é expresso por suas correlações genéticas, o que pode explicar a diversidade de desempenho cognitivo entre os diferentes grupos de pacientes.

A pesquisa forneceu novos insights sobre as bases genéticas e moleculares do desempenho cognitivo alterado nesses grupos de pacientes.

 

Referências

Smeland, O. B., Bahrami, S., Frei, O., Shadrin, A., O’Connell, K., Savage, J., ... & Andreassen, O. A. (2020). Genome-wide analysis reveals extensive genetic overlap between schizophrenia, bipolar disorder, and intelligence. Molecular psychiatry, 25(4), 844-853.

Consortium, I. S. (2009). Common polygenic variation contributes to risk of schizophrenia that overlaps with bipolar disorder. Nature, 460(7256), 748.

Kahn, R. S., & Keefe, R. S. (2013). Schizophrenia is a cognitive illness: time for a change in focus. JAMA psychiatry, 70(10), 1107-1112.

Keshavan, M. S., Morris, D. W., Sweeney, J. A., Pearlson, G., Thaker, G., Seidman, L. J., ... & Tamminga, C. (2011). A dimensional approach to the psychosis spectrum between bipolar disorder and schizophrenia: the Schizo-Bipolar Scale. Schizophrenia research, 133(1-3), 250-254.

Simonsen, C., Sundet, K., Vaskinn, A., Birkenaes, A. B., Engh, J. A., Færden, A., ... & Andreassen, O. A. (2011). Neurocognitive dysfunction in bipolar and schizophrenia spectrum disorders depends on history of psychosis rather than diagnostic group. Schizophrenia bulletin, 37(1), 73-83.

Keefe, R. S., & Fenton, W. S. (2007). How should DSM-V criteria for schizophrenia include cognitive impairment?. Schizophrenia bulletin, 33(4), 912-920.

Green, M. F. (2006). Cognitive impairment and functional outcome in schizophrenia and bipolar disorder. Journal of Clinical Psychiatry, 67, 3.


Medicina de precisão para transtornos de humor

Medicina de precisão para transtornos de humor

Por Dr. Petrus Raulino

O que são os transtornos de humor?

Os transtornos de humor afetam 1 em cada 4 pessoas ao longo da vida. Além de incapacitantes, são também co-mórbidos com outros transtornos psiquiátricos.

Devido à falta de testes objetivos para diagnóstico e ao estigma, os transtornos de humor costumam ser subdiagnosticados ou mal diagnosticados (por ex., diagnóstico de depressão em vez de transtorno bipolar).

Estudo sobre medicina de precisão

Para mudar o processo frequentemente longo de obter um diagnóstico e tratamento psiquiátrico, uma equipe da Indiana University of Medicine analisou como a medicina de precisão, através de biomarcadores sanguíneos de expressão gênica, poderia ajudar nesse cenário. 

O estudo foi publicado na revista Molecular Psychiatry.

Os biomarcadores indicam a ocorrência de uma determinada função normal ou patológica de um organismo ou uma resposta a um agente farmacológico. Eles são usados, principalmente, para o diagnóstico ou para identificar riscos de ocorrência de uma doença em um paciente.

No estudo, foram encontrados 26 biomarcadores sanguíneos de expressão gênica principais, cujas análises foram levadas adiante. Os biomarcadores foram testados quanto à capacidade preditiva e utilidade clínica em coortes independentes adicionais. 

Para o estudo, foram recrutados voluntários em três coortes independentes:

  1. descoberta” de 26 biomarcadores (uma coorte longitudinal de indivíduos com mudanças diametralmente opostas no estado de humor em pelo menos duas visitas de teste consecutivas); 
  2. validação dos 26 biomarcadores “descobertos” (uma coorte independente de indivíduos com depressão ou mania clinicamente grave); 
  3. teste dos 26 biomarcadores “descobertos” (uma coorte independente para testar a capacidade dos biomarcadores de predizer estados de humor, depressão clínica ou mania, e para predizer futuras hospitalizações por depressão ou mania).

Resultados da pesquisa

Os resultados da pesquisa mostraram a utilidade dos biomarcadores para avaliar riscos que impactam a evolução clínica de pacientes com transtornos de humor.

Esse trabalho foi um grande passo em direção à compreensão, diagnóstico e tratamento dos transtornos de humor. 

A expectativa é de que futuramente os biomarcadores preditores de risco possam ser úteis em abordagens preventivas, antes que se manifeste o transtorno totalmente desenvolvido ou ocorra recidiva. 

 

Referências

Le-Niculescu, H., Roseberry, K., Gill, S. S., Levey, D. F., Phalen, P. L., Mullen, J., ... & Niculescu, A. B. (2021). Precision medicine for mood disorders: objective assessment, risk prediction, pharmacogenomics, and repurposed drugs. Molecular Psychiatry, 1-29.

Lenze, E. J., Rodebaugh, T. L., & Nicol, G. E. (2020). A framework for advancing precision medicine in clinical trials for mental disorders. JAMA psychiatry77(7), 663-664.

Alhajji, L., & Nemeroff, C. B. (2015). Personalized medicine and mood disorders. Psychiatric Clinics38(3), 395-403.


Mutação genética ultra rara em pacientes com esquizofrenia

Mutação genética ultra rara em pacientes com Esquizofrenia

Por Dr. Petrus Raulino

 

O que é Esquizofrenia?

A esquizofrenia é um transtorno mental que acomete cerca de 20 milhões de pessoas em todo o mundo. Muitas pesquisas têm identificado a importância do papel dos genes nesse transtorno.

A genética da esquizofrenia é complexa, multifatorial e poligênica. Há centenas ou talvez milhares de genes envolvidos na doença.

Dada a enorme heterogeneidade da doença, cada paciente é praticamente único na combinação de genes que o levou ao transtorno. 

A identificação de variantes genéticas raras associadas à esquizofrenia tem se mostrado desafiadora devido à heterogeneidade genética das populações. 

Mas uma nova mutação genética que bloqueia a comunicação neural foi descoberta recentemente em pacientes com esquizofrenia. Pode abrir caminho para novas estratégias terapêuticas e aumentar a compreensão da fisiopatologia da doença.

Essa descoberta foi realizada através de um estudo no Feinstein Institutes for Medical Research nos EUA e publicado na revista Neuron.

Estudo sobre genomas com esquizofrenia

O estudo foi realizado com uma população relativamente homogênea, uma coorte de judeus asquenazes, para examinar os genomas de pacientes com diagnóstico de esquizofrenia e um grupo controle.

O objetivo do estudo foi encontrar mutações isoladas que pudessem ser observadas várias vezes no grupo esquizofrenia.  Isso foi possível com o grupo homogêneo de judeus asquezanes. 

Resultados do estudo

A mutação do gene PCDHA3 foi identificada em cinco dos 786 casos de esquizofrenia. A mutação do gene PCDHA3 é uma variante ultra rara que não foi encontrada em nenhum indivíduo do grupo controle.

O gene PCDHA3 deriva da família do gene da protocaderina e bloqueia a ação dela, não permitindo que os neurônios se reconheçam e se comuniquem com outros neurônios.

Conclusão

Novos estudos serão essenciais para avaliar como o tratamento da esquizofrenia pode melhorar qualquer alteração causada por essa mutação genética.

A descoberta da mutação do gene PCDHA3 em pacientes com esquizofrenia não tem um impacto imediato na prática clínica. Mas tem relevância científica, pois agrega mais uma peça na compreensão sobre as bases genéticas da esquizofrenia.

 

Referências

Lencz, T., Yu, J., Khan, R. R., Flaherty, E., Carmi, S., Lam, M., ... & Pe’er, I. (2021). Novel ultra-rare exonic variants identified in a founder population implicate cadherins in schizophrenia. Neuron.

Charlson, F. J., Ferrari, A. J., Santomauro, D. F., Diminic, S., Stockings, E., Scott, J. G., ... & Whiteford, H. A. (2018). Global epidemiology and burden of schizophrenia: findings from the global burden of disease study 2016. Schizophrenia bulletin44(6), 1195-1203.

Mistry, S., Harrison, J. R., Smith, D. J., Escott-Price, V., & Zammit, S. (2018). The use of polygenic risk scores to identify phenotypes associated with genetic risk of schizophrenia: Systematic review. Schizophrenia research197, 2-8.

Avramopoulos, D. (2018). Recent advances in the genetics of schizophrenia. Molecular neuropsychiatry4(1), 35-51.

Henriksen, M. G., Nordgaard, J., & Jansson, L. B. (2017). Genetics of schizophrenia: overview of methods, findings and limitations. Frontiers in human neuroscience11, 322.


Modulação do canal iônico de potássio para tratamento da depressão

Modulação do canal iônico de potássio para tratamento da depressão?

Por Dr. Petrus Raulino

Um novo estudo desenvolvido pela Icahn School of Medicine Mount Sinai e publicado na revista American Journal of Psychiatry mostrou que a ezogabina, um fármaco que abre canais de potássio do tipo KCNQ2/3 no cérebro, pode estar associada à melhora de sintomas depressivos e anedonia.

O estudo é de fase 2, portanto ainda não serve como recomendação para mudança na conduta médica. Mas encoraja para a realização de novas pesquisas de fase 3 que poderiam fundamentar intervenções na prática clínica.

A ezogabina foi aprovada pela Food and Drug Administration dos EUA em 2011 como anticonvulsivante para o tratamento da epilepsia, mas não havia sido estudada anteriormente na depressão. 

Esse estudo é o primeiro ensaio clínico randomizado controlado por placebo a mostrar que um fármaco que afeta esse tipo de canal iônico no cérebro pode melhorar os sintomas depressivos.

O estudo foi realizado com 45 pacientes adultos com diagnóstico de depressão que foram submetidos a um período de 5 semanas de tratamento com dosagem diária de ezogabina ou placebo.

Em comparação com os pacientes tratados com placebo, aqueles tratados com ezogabina mostraram uma redução significativa em vários sintomas importantes da depressão, incluindo a anedonia.

O alvo da ezogabina é o canal KCNQ2/3, que é membro de uma grande família de canais iônicos que atuam como controladores importantes da excitabilidade das células cerebrais e do funcionamento do sistema nervoso central. 

Esses canais afetam a função das células cerebrais, controlando o fluxo da carga elétrica através da membrana celular na forma de íons de potássio (K+).

Os achados da pesquisa podem representar uma nova linha de pesquisas para o desenvolvimento de tratamentos novos e eficazes para a depressão.

 

Referências

Costi, S., Morris, L. S., Kirkwood, K. A., Hoch, M., Corniquel, M., Vo-Le, B., ... & Murrough, J. W. (2021). Impact of the KCNQ2/3 channel opener ezogabine on reward circuit activity and clinical symptoms in depression: results from a randomized controlled trial. American Journal of Psychiatry, appi-ajp.

Stafstrom, C. E., Grippon, S., & Kirkpatrick, P. (2011). Ezogabine (retigabine). Nature Reviews Drug Discovery10(10), 729-730.


Medicamentos epigenéticos para transtornos de ansiedade?

Medicamentos epigenéticos para transtornos de ansiedade?

Por Dr. Petrus Raulino

Sobre os medicamentos epigenéticos

Medicamentos epigenéticos para transtornos de ansiedade ainda não são uma realidade na prática clínica, pois estão em fase de pesquisa experimental. Mas vale a pena acompanhar a evolução do conhecimento e saber sobre pesquisas em andamento. 

Os transtornos de ansiedade são transtornos mentais comuns com uma prevalência anual global de 7,3%. A idade de início desses transtornos geralmente é por volta dos 20 anos, com as mulheres tendo duas vezes mais chances de receberem o diagnóstico.

Acredita-se que fatores psicológicos e biológicos contribuam para a patogênese dos transtornos de ansiedade.

Fatores psicológicos

Os fatores psicológicos envolvidos na patogênese envolvem eventos traumáticos e estressantes da vida, especialmente durante a infância. O estresse é conhecido por ativar muitos circuitos neuronais, como os do hipocampo, e o eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HPA).

Dentre os fatores biológicos, estão envolvidos mecanismos epigenéticos de expressão gênica, ou seja, traços complexos envolvendo múltiplos genes interagindo com fatores ambientais (não envolvendo mudanças na sequência do DNA, mas alterando a atividade de genes).

Os mecanismos epigenéticos envolvem mecanismos moleculares como metilação do DNA, hidroximetilação do DNA, modificações de histonas e regulação da expressão gênica mediada por RNA não codificador (ncRNA). 

Fatores biológicos

Fatores ambientais podem provocar alterações nos mecanismos epigenéticos.

Há evidências de que os mecanismos epigenéticos apresentam-se desregulados em praticamente todos os tipos de transtornos psiquiátricos e que esses mecanismos desregulados contribuam para a patogênese.

A importância de novas pesquisas

Existem várias classes de medicamentos eficazes para o tratamento da ansiedade. No entanto, nem todas as pessoas se adaptam aos medicamentos disponíveis atualmente, devido a efeitos colaterais ou falta de resposta terapêutica satisfatória.

Por isso, a importância de novas pesquisas. Uma classe potencial de novos medicamentos para o tratamento da ansiedade são os medicamentos epigenéticos.

Ensaios pré-clínicos e clínicos farmacológicos – ainda experimentais – usando HDACi (inibidor da histona-desacetilase) para o tratamento estão mostrando resultados favoráveis, o que permite a continuidade das pesquisas com amostras maiores de pacientes.

Conclusão

O modo de ação do HDACi em transtornos de ansiedade ainda não está claro. Mais pesquisas são necessárias para elucidar o modo de ação do HDACi no alívio dos sinais e sintomas dos transtornos de ansiedade.

Há um longo caminho a seguir nessa linha de pesquisa, mas o conhecimento científico abre novas possibilidades que poderão transformar futuramente o rol de opções terapêuticas para os transtornos de ansiedade.

 

Referências

Peedicayil, J. (2020). The Potential Role of Epigenetic Drugs in the Treatment of Anxiety Disorders. Neuropsychiatric disease and treatment16, 597.

Schiele, M. A., & Domschke, K. (2018). Epigenetics at the crossroads between genes, environment and resilience in anxiety disorders. Genes, Brain and Behavior17(3), e12423.

Stein, D. J., Scott, K. M., de Jonge, P., & Kessler, R. C. (2017). Epidemiology of anxiety disorders: from surveys to nosology and back. Dialogues in clinical neuroscience19(2), 127.

Bartlett, A. A., Singh, R., & Hunter, R. G. (2017). Anxiety and epigenetics. Neuroepigenomics in Aging and Disease, 145-166.

Maron, E., & Nutt, D. (2015). Biological predictors of pharmacological therapy in anxiety disorders. Dialogues in clinical neuroscience17(3), 305.