Depressão em homens é menos frequente ou subdiagnosticada?

Depressão em homens é menos frequente ou subdiagnosticada?

Por Dr. Petrus Raulino

A taxa de prevalência da depressão em mulheres é duas vezes maior do que a de homens.

Consequentemente, a probabilidade de uma mulher vir a ser diagnosticada com depressão é o dobro da probabilidade do diagnóstico de depressão em homens.

Embora os homens apresentem menor probabilidade de diagnóstico de depressão, a taxa de suicídio é três vezes maior do que entre mulheres.

Sabe-se que um dos fatores de risco mais fortes para suicídio é a depressão em homens imbuída de atitudes que dificultam a busca por tratamento em saúde mental.

Depressão é menos frequente em homens?

De um lado, existem diferenças entre homens e mulheres quanto à neurobiologia, ao sistema endócrino e à resposta ao estresse que podem explicar, ao menos em parte, diferenças na variação do humor e, possivelmente, na prevalência da depressão.

Há também diferenças no perfil genético referentes à função sináptica e à atividade inflamatória de células microgliais em homens com depressão comparados a mulheres com depressão.

Somem-se a isso diferenças culturais que influenciam expectativas quanto ao que se espera de um homem ou de uma mulher. Todas essas diferenças poderiam explicar uma maior ocorrência de depressão em mulheres.

Será que a depressão em homens é menos detectada?

Por outro lado, é também possível uma interpretação diferente. É plausível que os homens sejam tão afetados pela depressão quanto as mulheres, mas de forma “mascarada”.

Crenças culturais quanto ao papel masculino, juntamente com fatores biológicos, podem levar os homens a expressar a depressão de forma diferente, menos detectável aos próprios olhos.

É mais provável que um homem deprimido fale sobre seus sintomas físicos do que sobre seus sentimentos. Esse pode ser um dos motivos pelos quais os médicos às vezes não reconhecem a depressão nos homens.

A depressão em homens pode se apresentar na forma de sintomas físicos, irritabilidade, agressividade, impulsividade, raiva repentina.

Alguns estudos demonstraram que os homens são menos propensos que as mulheres a relatar sintomas como perda da libido, autocensura excessiva ou distúrbios do sono.

Além disso, os homens tendem a lidar com os sintomas de depressão com crenças de autossuficiência, trabalhando excessivamente, consumindo álcool ou evitando pensar nos sintomas, minimizando-os. Essas estratégias escapistas mascaram sintomas, mas não os resolvem.

Há evidência de que apenas 8,5% dos homens com depressão estejam engajados em tratamento com suporte profissional qualificado em saúde mental. Ou seja, a grande maioria dos homens com depressão não está em tratamento adequado.

A depressão é uma condição tratável e sua não identificação entre homens traz desnecessariamente um ônus que na prática é evitável.

A importância desse tema

Avaliar e abordar os sintomas da depressão masculina pode ajudar a reduzir sintomas somáticos, comportamentos de risco e risco de suicídio.

Por falta de conhecimento científico adequado, muitos homens acham difícil pedir ajuda quando estão deprimidos. Devem ser esclarecidos que a depressão é resultado de mudanças neuroquímicas, algumas vezes decorrentes de se viver em um mundo exigente e estressante. Não tem nada a ver com ser fraco ou ter falhado.

Estar à vontade para revelar ao médico problemas relacionados ao humor é um primeiro passo importante para desmistificar o tratamento e ajustar atitudes autossuficientes.

A recomendação é clara: não tente resistir sozinho à depressão. Busque atendimento qualificado para usufruir do que há de melhor para sua saúde. Não há saúde sem saúde mental.

 

Referências

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Seidler, Z. E., Dawes, A. J., Rice, S. M., Oliffe, J. L., & Dhillon, H. M. (2016). The role of masculinity in men's help-seeking for depression: a systematic review. Clinical psychology review, 49, 106-118.

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Biomarcador sanguíneo ajuda a predizer demência de Alzheimer antes dos sintomas?

Biomarcador sanguíneo pode ajudar a predizer Demência de Alzheimer anos antes que os sintomas apareçam?

Por Dr. Petrus Raulino

Um estudo publicado na revista Nature Translational Psychiatry evidenciou que idosos com proteína ácida fibrilar glial (GFAP) elevada no sangue apresentam maior acúmulo de proteína beta-amilóide no cérebro, um biomarcador associado a Demência de Alzheimer.

Mas afinal, o que é a GFAP?

A GFAP é uma proteína do citoesqueleto dos astrócitos que serve como um marcador da astrogliose – ativação e proliferação anormal de astrócitos decorrente de dano neuronal.

A proteína GFAP é encontrada no cérebro, mas pode ser medida em amostras de sangue quando o cérebro é danificado pela Demência de Alzheimer A no estágio inicial.

Atualmente, não há cura ou tratamento eficaz para reverter a Demência de Alzheimer, apesar de todos os esforços científicos. Por isso, há muitos estudos recentes buscando se concentrar em programas de prevenção e identificação de populações sob risco para Demência de Alzheimer.

Esses estudos têm reportado níveis elevados de GFAP no sangue em Demência de Alzheimer precoce e tardia. Esses níveis se correlacionam inversamente com a cognição e com a extensão da lesão da substância branca.

GFAP e os sintomas inicias da Dêmencia de Alzheimer

Mas o estudo publicado na Nature Translational Psychiatry investigou se os níveis elevados de GFAP no sangue precedem o início dos sintomas clínicos da Demência de Alzheimer em idosos cognitivamente normais sob maior risco de Demência de Alzheimer.

Resultados do estudo

A pesquisa mostrou que níveis plasmáticos de GFAP aumentados em idosos cognitivamente normais foram associados a maior acúmulo de proteína beta-amilóide no cérebro.

Portanto, o nível de GFAP plasmático aumentado pode servir como um biomarcador sanguíneo inicial para identificar indivíduos cognitivamente normais sob maior risco de Demência de Alzheimer.

Em nosso conhecimento, esse foi o primeiro estudo a demonstrar níveis plasmáticos aumentados de GFAP em idosos cognitivamente normais sob risco de Demência de Alzheimer. Essas observações sugerem que os danos se iniciam no estágio pré-sintomático da Demência de Alzheimer e está associado a acúmulo de beta-amilóide no cérebro.

Mais pesquisas são necessárias para avaliar se a dosagem de GFAP poderá fazer diferença para fundamentar estratégias de prevenção contra a Demência de Alzheimer. Por enquanto, estamos de olho em novas pesquisas.

 

Referências

Chatterjee, P., Pedrini, S., Stoops, E., Goozee, K., Villemagne, V. L., Asih, P. R., ... & Martins, R. N. (2021). Plasma glial fibrillary acidic protein is elevated in cognitively normal older adults at risk of Alzheimer’s disease. Translational psychiatry, 11(1), 1-10.

Elahi, F. M., Casaletto, K. B., La Joie, R., Walters, S. M., Harvey, D., Wolf, A., ... & Kramer, J. H. (2019). Plasma biomarkers of astrocytic and neuronal dysfunction in early-and late-onset Alzheimer's disease. Alzheimer's & Dementia.

Colangelo, A. M., Alberghina, L., & Papa, M. (2014). Astrogliosis as a therapeutic target for neurodegenerative diseases. Neuroscience letters, 565, 59-64.

Carter, S. F., Schöll, M., Almkvist, O., Wall, A., Engler, H., Långström, B., & Nordberg, A. (2012). Evidence for astrocytosis in prodromal Alzheimer disease provided by 11C-deuterium-L-deprenyl: a multitracer PET paradigm combining 11C-Pittsburgh compound B and 18F-FDG. Journal of Nuclear Medicine, 53(1), 37-46.


Ansiedade em homens no período perinatal

Ansiedade em homens no período perinatal

Por Dr. Petrus Raulino

Uma meta-análise publicada no periódico The Journal Psychosomatic Obstetrics & Gynecology evidenciou que a prevalência de ansiedade entre homens durante o período perinatal, que inclui a gravidez até o primeiro ano pós-parto, foi de quase 11%.

Essa taxa foi bem mais alta do que a taxa de prevalência que seria esperada.

Estimativas da Organização Mundial de Saúde sugerem que a prevalência de ansiedade em homens nas regiões globais estudadas deveria variar de 2,2% a 3,8%.

Na meta-análise, a taxa de ansiedade durante a gravidez foi de 9,9%, enquanto que durante o primeiro ano pós-parto foi de 11,7%.

Para chegar a esses números, os pesquisadores analisaram dados de 23 estudos, representando 40.124 participantes.

Resultados do estudo

O estudo demonstrou que o transtorno de ansiedade paterno apresenta prevalência significativa, com potencial impacto direto no apoio que o pai dá à mãe e ao bebê.

É fato que muitos homens aumentem seus níveis de ansiedade no período de transição para a paternidade. O nascimento de um filho ou uma filha é um evento muito importante na vida.

As mudanças que a paternidade traz influenciam emoções, relacionamentos, finanças e questões profissionais.

Portanto, buscar avaliação personalizada e conhecimento profissional especializado pode ser a chave para um bom prognóstico. Não há saúde sem saúde mental.

 

Referências

Leiferman, J. A., Farewell, C. V., Jewell, J., Lacy, R., Walls, J., Harnke, B., & Paulson, J. F. (2021). Anxiety among fathers during the prenatal and postpartum period: a meta-analysis. Journal of Psychosomatic Obstetrics & Gynecology, 1-10.

World Health Organization. (2017). Depression and other common mental disorders: global health estimates. World Health Organization.


0Sintomas Neuropsiquiátricos e Cognitivos da COVID-19

Sintomas neuropsiquiátricos e cognitivos da COVID-19

Por Dr. Petrus Raulino

Uma revisão de estudos científicos publicada no periódico Frontiers in Psychology demonstrou que uma grande proporção de sobreviventes da COVID-19 pode ser afetada por complicações neuropsiquiátricas e cognitivas.

Efeitos da COVID-19

Evidências sugerem que os pacientes com COVID-19 desenvolvem sintomas neurológicos como cefaleia, alteração de consciência e parestesia. Edema cerebral e neurodegeneração parcial também foram encontrados em autópsia.

Além disso há relatos de que o vírus tem o potencial de causar danos no sistema nervoso central. Juntos, esses achados apontam para um possível papel do vírus no desenvolvimento de sintomas psiquiátricos agudos e sequelas neuropsiquiátricas de longo prazo.

As manifestações psiquiátricas agudas de COVID-19 relatadas são aumento do estresse, ansiedade e depressão.

O vírus pode ter um papel direto ou indireto de ativar neuroinflamação, predispondo o organismo para manifestações psiquiátricas.

No curto prazo, 20-40% dos casos de COVID-19 podem apresentar complicações como eventos cerebrovasculares, cefaleia, tontura, encefalopatia, anosmia, ageusia e problemas de humor.

No longo prazo, há a hipótese de que manifestações psiquiátricas podem ser provocadas como consequência de fatores biológicos da COVID-19, estigmas ou memórias, e amnésia associada aos cuidados intensivos.

As manifestações psiquiátricas podem ser observadas na forma de aumento da incidência de depressão, ansiedade, transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e, em certos casos, doenças mentais graves.

Fonte: Kumar e col., 2021.

Sequelas do novo coronavírus

Atualmente, ainda desconhecemos as sequelas neuropsiquiátricas de longo prazo da COVID-19.

No entanto, podemos especular seus efeitos a partir de nossa compreensão dos mecanismos da COVID-19 no sistema nervoso central e também das evidências dos efeitos neuropsiquiátricos de longo prazo provocados pelos vírus SARS-CoV-1 (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e MERS- CoV (Síndrome Respiratória do Oriente Médio).

Através de estudos científicos cuidadosos e detalhados sobre o histórico dos casos acompanhado por exames de neuroimagem e avaliações neuropsicológicas padronizadas, a natureza complexa das apresentações neuropsiquiátricas da COVID-19 poderão ser melhor compreendidas.

Isso ajudará a esclarecer se os problemas neuropsiquiátricos e cognitivos são uma consequência direta de anormalidades estruturais do cérebro ou são uma reação ao potencial estresse físico e mental associado ao enfrentamento da COVID-19 pelo organismo.

Por enquanto, as duas hipóteses somadas são viáveis. Estamos de olho.

 

Referências

Mao, L., Jin, H., Wang, M., Hu, Y., Chen, S., He, Q., ... & Hu, B. (2020). Neurologic manifestations of hospitalized patients with coronavirus disease 2019 in Wuhan, China. JAMA neurology, 77(6), 683-690.

Kumar, S., Veldhuis, A., & Malhotra, T. (2021). Neuropsychiatric and Cognitive Sequelae of COVID-19. Frontiers in Psychology, 12, 553.


Saúde mental no mundo corporativo & Ônus global dos transtornos mentais

Saúde mental no mundo corporativo & ônus global dos transtornos mentais

Por Dr. Petrus Raulino

Saúde mental no mundo corporativo

O tratamento da depressão e ansiedade é importante para a saúde e bem-estar, mas também traz benefícios econômicos.

Um estudo publicado na Lancet Psychiatry projetou os custos globais do tratamento de depressão e ansiedade, assim como os resultados para a saúde em 36 países para os 15 anos de 2016-2030.

Os custos estimados para ampliar o tratamento, principalmente cuidado psicossocial e medicamentos antidepressivos, chegaram a US$ 147 bilhões. No entanto, os retornos superam em muito os custos.

Uma melhoria após tratamento de 5% do absenteísmo e presenteísmo foi avaliada em US$ 399 bilhões, e a melhoria da saúde incrementou outros US$ 310 bilhões em retornos.

Os números demonstram um retorno de cerca de US$ 4 para cada US$ 1 investido.

Estes resultados mostram a importância da intervenção em saúde mental no ambiente de trabalho para evitar o impacto negativo não apenas na saúde e no bem-estar, mas também nas consequências inevitáveis relacionadas a perda de produtividade, recursos financeiros perdidos e aumento das despesas com saúde.

Com informação adequada, precisamos combater o estigma que leva à falta de tratamento adequado.

Ônus global dos transtornos mentais

A ocorrência de transtornos mentais comuns, principalmente depressão e ansiedade, está aumentando em todo o mundo, afetando quase 10% da população mundial.

Os transtornos mentais são a causa de 13% de todo o ônus por doenças no mundo e 32% dos anos perdidos por incapacidade. A depressão é associada à maioria dos anos perdidos por doença, principalmente devido à sua natureza cronicamente incapacitante.

O ônus por doença é medido pelo número de anos de vida perdidos para uma doença. É calculado somando-se os anos de vida perdidos por incapacidade aos anos de vida perdidos devido à mortalidade prematura para uma dada doença.

Os transtornos mentais têm sido uma das causas de crescimento mais rápido de absenteísmo profissional por doença. As evidências sugerem que esse aumento está relacionado a mudanças na forma como a sociedade e os locais de trabalho tem percebido o transtorno mental e seu efeito na capacidade para o trabalho.

Os transtornos mentais também são causa importante de presenteísmo, que é a queda de produtividade entre profissionais ativos no mercado de trabalho. A depressão interfere na capacidade de uma pessoa em executar tarefas físicas em 20% das vezes e reduz o desempenho cognitivo em 35% das vezes.

Perdemos muito com transtornos mentais não tratados. São 30% dos adultos afetados por algum transtorno mental ao longo da vida. Não há saúde sem saúde mental.

Referências

Vigo, D., Thornicroft, G., & Atun, R. (2016). Estimating the true global burden of mental illness. The Lancet Psychiatry, 3(2), 171-178.

Chisholm, D., Sweeny, K., Sheehan, P., Rasmussen, B., Smit, F., Cuijpers, P., & Saxena, S. (2016). Scaling-up treatment of depression and anxiety: a global return on investment analysis. The Lancet Psychiatry, 3(5), 415-424.


Estudo liga células cerebrais à depressão

Estudo liga células cerebrais à depressão

Por Dr. Petrus Raulino

Um estudo publicado na revista Frontiers in Psychiatry traz mais algumas possíveis peças do grande quebra-cabeça que é fazer pesquisas sobre as bases biológicas da depressão.

O estudo demostrou diferenças entre a composição celular do cérebro em adultos deprimidos que morreram por suicídio em comparação a indivíduos sem histórico psiquiátrico que morreram repentinamente por outros meios.

Análises do estudo

Foram analisadas amostras cerebrais post mortem de indivíduos do sexo masculino que morreram por suicídio na vigência de episódio depressivo grave e amostras cerebrais de indivíduos do sexo masculino que morreram repentinamente sem nenhuma doença inflamatória, psiquiátrica ou neurológica.

Foram analisadas três regiões do cérebro de todos os indivíduos do estudo: córtex pré-frontal dorso-medial, núcleo caudado dorsal e o tálamo médio-dorsal. Nestas regiões foram analisados os astrócitos.

Os astrócitos são células gliais frequentemente em forma de estrela que constituem aproximadamente metade das células do cérebro humano.

Os astrócitos formam a estrutura do cérebro e têm funções importantes como a sustentação e nutrição dos neurônios.

Os astrócitos são células heterogêneas, com diferentes subtipos quanto a morfologia, desenvolvimento, metabolismo e fisiologia.

Foram analisados os astrócitos no cérebro, colorindo proteínas específicas encontradas em sua estrutura (proteína glial fibrilar ácida e vimentina).

Através de um microscópio, o número de astrócitos foi contado em seções transversais.

Foram avaliadas também as densidades vasculares das regiões cerebrais compreendidas pelo estudo, porque em estudo prévio foi encontrada estreita associação inversa entre densidade regional de astrócitos e densidade vascular.

Principais resultados da pesquisa

A pesquisa demonstrou uma redução do número de astrócitos nas áreas cerebrais dos adultos deprimidos.

Já a densidade vascular e as características morfométricas dos astrócitos foram semelhantes entre os grupos, exceto na substância branca pré-frontal, na qual houve vascularização aumentada e os astrócitos exibiram menos processos (prolongamentos) primários.

Apesar da estrutura dos astrócitos em deprimidos estar semelhante aos dos indivíduos sem histórico psiquiátrico, o número de astrócitos estava reduzido na depressão.

 

Baixa densidade de astrócitos em cérebro de deprimidos com suicídio (E) em comparação a indivíduos sem histórico psiquiátrico (D)
FIGURA 1 – Baixa densidade de astrócitos em cérebro de deprimidos com suicídio (E) em comparação a indivíduos sem histórico psiquiátrico (D). Fonte: O’Leary e col. (2021).

Algumas limitações da pesquisa foram importantes para se destacar:

  • amostra pequena;
  • ausência de mulheres na amostra;
  • falta de informações sobre número e gravidade de episódios depressivos prévios;
  • tempo de evolução;
  • duração do episódio atual;
  • tratamentos, etc.

Conclusão

De qualquer maneira o estudo é instigante o suficiente para estimular novas pesquisas.

Será que a depressão pode estar ligada à composição celular do cérebro? Se sim, de forma estática ou dinâmica?

Quem sabe a notícia promissora no futuro esteja relacionada ao conhecimento de que, ao contrário dos neurônios, o cérebro humano adulto produz continuamente novos astrócitos.

 

Referências

O'Leary, L. A., Belliveau, C., Davoli, M. A., Ma, J. C., Tanti, A., Turecki, G., & Mechawar, N. (2021). Widespread decrease of cerebral vimentin-immunoreactive astrocytes in depressed suicides. Frontiers in Psychiatry, 12, 75.

O’Leary, L. A., Davoli, M. A., Belliveau, C., Tanti, A., Ma, J. C., Farmer, W. T., ... & Mechawar, N. (2020). Characterization of vimentin-immunoreactive astrocytes in the human brain. Frontiers in Neuroanatomy, 14.


Estrutura de neurônios na esquizofrenia

Estrutura de neurônios na esquizofrenia

Por Dr. Petrus Raulino

O que é Esquizofrenia?

Esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico crônico e potencialmente incapacitante que pode afetar a capacidade de pensar, sentir e se comportar adequadamente.

Atinge cerca de 1% da população mundial.

Não há conhecimento, até o momento, de causa específica que provoque a esquizofrenia, mas sabe-se que a combinação de fatores biológicos, incluindo genéticos, e do ambiente podem desencadear a doença.

Para tratá-la com mais eficácia é necessário um melhor entendimento sobre a doença.

Estudo sobre as bases biológicas da esquizofrenia

Um estudo publicado na revista Translational Psychiatry procurou compreender um pouco mais as bases biológicas da esquizofrenia.

Foram coletadas pequenas amostras de tecido cerebral post-mortem de indivíduos saudáveis e pacientes com diagnóstico de esquizofrenia.

As áreas foram giro temporal superior e córtex cingulado anterior.

O cérebro tem uma arquitetura modular na qual diferentes áreas com diferentes origens genéticas exercem funções distintas, por isso foram coletadas amostradas de duas áreas.

Entretanto, deve-se destacar que a concepção atual da arquitetura cortical é mais heterogênea do que se pensava no passado.

As amostras foram colocadas em RX e ótica de alta resolução para capturar imagens tridimensionais destes tecidos cerebrais.

O equipamento usado tinha alta resolução que pode chegar a 10 nanômetros. Isto permitiu comparar as estruturas dos neurônios entre as áreas do cérebro de cada indivíduo e entre indivíduos.

 

Imagens em 3D de neurônios de paciente com esquizofrenia, obtidas por raios-X e ótica de alta resolução. Mostram neuritos ondulados e distorcidos, o que pode indicar que a condição esteja ligada ao formato dos neurônios.
Imagens em 3D de neurônios de paciente com esquizofrenia, obtidas por raios-X e ótica de alta resolução. Mostram neuritos ondulados e distorcidos, o que pode indicar que a condição esteja ligada ao formato dos neurônios. Crédito: Ryuta Mizutani

Resultados do estudo

Os casos de esquizofrenia mostraram uma rede neuronal fina e tortuosa em relação ao grupo controle, sugerindo que a estrutura do neurônio pode estar associada ao transtorno.

Além disso, a grande heterogeneidade de neurônios demonstrada nos casos de esquizofrenia pode estar associada a desequilíbrios funcionais entre as áreas do cérebro que podem resultar em distúrbios da função cerebral total.

Conclusão

Apesar dos achados, há necessidade de mais pesquisas para compreender fatores que influenciam o processo no qual alterações estruturais dos neurônios podem ocorrer na esquizofrenia.

Mosaicismo genético, fatores ambientais e diferenças de educação entre os indivíduos fornecem estímulos diferentes para diferentes áreas do cérebro, podendo também resultar em diferenças nas estruturas neuronais entre as áreas do cérebro.

De qualquer modo, o estudo tem o mérito de despertar a atenção para algumas peças do grande quebra-cabeça sobre as bases biológicas da esquizofrenia.

 

 

Referências

Mizutani, R., Saiga, R., Yamamoto, Y., Uesugi, M., Takeuchi, A., Uesugi, K., ... & Arai, M. (2021). Structural diverseness of neurons between brain areas and between cases. Translational psychiatry, 11(1), 1-9.

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